Título: Protecionismo volta a preocupar
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Fonte: O Globo, 11/06/2011, Opinião, p. 6

O derretimento de bancos importantes em Wall Street, no último trimestre de 2008, gerou um impacto recessivo histórico no mundo, comparável ao terremoto global iniciado em 1929, batizado de a Grande Depressão. Mas teria sido pior se não houvesse um rico acervo de conhecimentos acumulados com o estudo dos erros e acertos no combate àquela crise. Mais especificamente, terminou sendo feliz coincidência ter à frente do banco central americano (Fed) um especialista no tema, Ben Bernanke. Foi evitado o equívoco do uso de políticas contracionistas, como ocorreu naquela década. Ao contrário, o Fed e todos os grandes bancos centrais executaram agressiva política monetária expansionista. Nos Estados Unidos, os juros continuam quase a zero, sem contar a injeção de trilhões de dólares no sistema.

E por isso não houve uma depressão, embora o problema ainda esteja longe de ter sido resolvido. Haja vista a anemia ainda demonstrada pelo nível de atividade nos Estados Unidos e a crise de dívidas soberanas (de países) na Europa.

Outra lição aprendida pelos desdobramentos de 1929 é a crucial necessidade de se evitar uma guerra comercial, em que a arma são barreiras protecionistas, alfandegárias ou não. Deflagrada a guerra, as trocas internacionais entram em colapso e aceleram a chegada da depressão. Hoje, com a existência da Organização Mundial do Comércio, ao menos há um fórum amplo para ser contida, de maneira coordenada, a tendência ao protecionismo, inerente à crise. Em 2009, no âmbito da OMC, o G-20 - as vinte maiores economias do planeta - se comprometeu a não erguer barreiras ao comércio. Ao uso perigoso de um câmbio artificialmente desvalorizado pela China, para ser imbatível no comércio mundial, os Estados Unidos respondem empurrando o dólar para baixo, na verdade um subproduto do "relaxamento monetário" (centenas de bilhões gastos pelo Fed na recompra de títulos de longo prazo do Tesouro americano, para reduzir os juros no mercado, com o efeito colateral da desvalorização da moeda). Existe, portanto, no mínimo, uma guerra cambial.

Menos mencionado no noticiário sobre a crise do que os reflexos no mercado de trabalho e em outros setores, o protecionismo é um risco do qual o mundo ainda não parece estar livre.

Em editorial, o "New York Times" reconheceu o esforço das grandes economias em não cair nas tentações do protecionismo, mas alertou que mais mercados, nos últimos meses, começaram a ser fechados. Monitoramento da OMC citado pelo jornal constata que, de outubro do ano passado a abril último, no G-20, foram impostas 122 novas restrições a compras no exterior, afetando 0,5% do total mundial de importações. Isso representa mais de duas vezes o número de medidas protecionistas tomadas entre maio e outubro de 2010. Há, então, perigosa aceleração no fechamento de mercados.

Enquanto os Estados Unidos continuam tentando voltar a gerar empregos e a Europa se aproxima de uma talvez inevitável rodada de reestruturação de dívidas - com os conhecidos reflexos no sistema financeiro, hoje já globalizado -, tudo que o mundo não precisa é de um aguçamento do protecionismo.