Título: Burocracia aumenta drama de desabrigados
Autor:
Fonte: O Globo, 11/06/2011, Opinião, p. 6

Uma reportagem do GLOBO, no início deste mês, dá testemunho de uma realidade tão dramática quanto inaceitável: decorridos quase cinco meses desde a enxurrada que atingiu municípios da Região Serrana do Rio, em janeiro, muito pouco - e praticamente nada em muitas áreas - se avançou na ajuda aos desabrigados e na reconstrução de casas e ruas destruídas pela força das águas. As chuvas deixaram um rastro de destruição e tragédias que se contabiliza em 916 mortos, muitos desaparecidos, 32 mil desabrigados e ruínas por toda parte em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, os três municípios mais atingidos pelo impacto do maior desastre natural da história do país.

Cinco meses atrás, as vítimas viviam o horror de ver suas casas invadidas pelas águas, a dor de ter parentes desaparecendo na enxurrada ou morrendo nos desabamentos, a tristeza de, a grande maioria, perder para sempre residências construídas com o esforço de toda uma vida e todos os bens móveis. Hoje, como revelou a reportagem, o drama parece longe do fim, e se perpetua com a malvada mistura de leniência e burocracia que marca a tíbia atuação dos órgãos do poder público nas ações de redução de danos que deveriam decorrer da tragédia na Serra.

É inescapável, por exemplo, a comparação entre o que sucedeu no Japão destruído por terremotos e tsunamis quase três meses depois e os movimentos de reparação de danos, materiais e sociais, do poder público brasileiro na tragédia da Serra. Lá, respostas imediatas lograram recuperar em poucos dias vias que haviam sido destruídas, e criar programas eficientes de ajuda aos desabrigados. No Rio de Janeiro, os relatos dão conta de que boa parte das providências anunciadas pelas autoridades (do estado, dos municípios atingidos e do governo federal) ainda está no terreno da promessa. Escolas continuam fechadas, sítios históricos parecem condenados a silencioso desaparecimento, a dengue avançou em Nova Friburgo por conta do acúmulo de áreas que permaneceram inundadas; na parte de ajuda material, até hoje é incontável o número de moradores que, tendo perdido a moradia, não recebem o aluguel social prometido. E não são poucos os relatos de vítimas que não conseguiram sacar o FGTS, em razão da burocracia da CEF, enquanto empresários reclamam que linhas de crédito para reconstrução não saíram do papel.

A existência de vítimas em dobro - de intempéries naturais e da burocracia que contraria a natureza de ações emergenciais - é fenômeno que não se restringe a esse dramático episódio da Serra fluminense. Os descaminhos que desviam para o terreno da quase nulidade movimentos de ajuda humanitária, ações de reconstrução e iniciativas de apoio a atingidos por tais dramas (inclusive de solidariedade da sociedade, como a doação de alimentos e roupas) se estendem por inúmeros exemplos de tragédias que começam com infelicidade para famílias e desembocam em poucas providências reais de reconstrução.

Tanto quanto se perdeu no cipoal burocrático que atrasa o reparo material e social dos estragos na Serra, também o poder público, nas três instâncias da administração, já havia deixado a desejar na ajuda aos desabrigados das enchentes no Vale do Itajaí, em 2008. Assim como falhara em outras ocasiões em que foi posto à prova. Até quando dramas semelhantes serão enfrentados com lerdeza?