Título: Código em processo de mudança
Autor: Oswald, Vivian; Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 15/06/2011, Economia, p. 26

Comissão entrega ao Senado projeto de atualização do CDC. Entidades de defesa do consumidor temem resultado

BRASÍLIA e RIO. A Comissão de Juristas do Senado entregou ontem ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), uma proposta de atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Entre as novidades, o grupo sugere mais clareza no que se refere a direitos relacionados ao comércio eletrônico, como uma possível devolução de bens comprados pela internet.

Os especialistas também querem enquadrar os intermediários na concessão de crédito, ou seja, as empresas que emprestam dinheiro mas não são classificadas como instituições financeiras e não estão sujeitas à fiscalização do Banco Central. Pela proposta, elas seriam obrigadas a deixar claro o custo efetivo e também o valor das taxas do empréstimo.

- Não é preciso ser especialista nem jurista para saber que não existe crédito a juro zero. Isso é enganar o consumidor e, ao mesmo tempo, enfraquecer o sistema moderno de crédito - disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, presidente da comissão constituída pelo Senado para estudar a atualização do CDC.

Multas por spam e alerta para risco de superendividamento

A proposta também engloba a proibição de envio de mensagens não autorizadas (spams), seja por telefone ou por e-mail. Segundo Benjamin, o spam é abusivo e viola a privacidade do consumidor, prejudica as atividades das empresas e sobrecarrega sistemas. Uma das ideias em discussão é permitir que o próprio cidadão possa bloquear esse tipo de mensagem. Mas também está em análise a possibilidade de estabelecimento de multas para companhias que enviarem spam.

- Temos de tocar no bolso daqueles que se beneficiam com o spam - afirma o ministro do STJ.

Ao receber a proposta, o presidente do Senado reconheceu que há hoje uma lacuna no comércio eletrônico. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Roberto Pfeiffer, ex-diretor do Procon-SP e um dos autores da proposta, explica que a devolução de mercadorias compradas à distância deve ser feita em até sete dias, segundo o CDC. Mas, afirma, não há nada que mencione claramente o comércio eletrônico no texto da lei:

- A jurisprudência já permite aplicá-la à internet.

Segundo Pfeiffer, as empresas que vendem pela rede terão de manter em evidência nos sites seus endereços físicos, além de outros dados importantes, como a forma de entrega e a data de recebimento do produto pelo consumidor.

No que diz respeito aos financiamentos, o projeto entregue a Sarney propõe que fiquem claros os riscos aos quais os consumidores estão expostos a partir do fornecimento exaustivo de informações requeridas pelas instituições.

- Bom para a economia é o crédito saudável. A democratização do crédito trouxe perigo às famílias. Deve haver regras para evitar o superendividamento, que é a falência da pessoa física - diz Claudia Marques, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante da comissão de juristas.

Segundo o Senado, o documento será submetido a audiências públicas no Congresso. A proposta definitiva deverá ficar pronta em outubro.

Em nota enviada ao GLOBO, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, em conjunto com a Comissão de Especialistas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) - criada para avaliar projetos de modificação do CDC no Congresso -, informam que não tiveram acesso às propostas entregues à presidência do Senado. O DPDC e a Comissão do SNDC afirmam que, assim que tiverem conhecimento do conteúdo do documento, divulgarão uma análise detalhada sobre as alterações propostas. No texto, o SNDC - que reúne Procons de todo o país - ressalta que "qualquer proposta normativa relacionada ao consumidor brasileiro deve ter como pressuposto a ampliação de direitos e garantias já assegurados pelo CDC, em respeito ao princípio do não retrocesso de direitos".

Para Ricardo Morishita, ex-diretor do DPDC, professor de Direito do Consumidor da FGV-Rio e integrante da comissão de especialistas, a grande proposta é não só avaliar a projeto apresentado ao Senado, mas debatê-lo com o SNDC e representações dos cidadãos, além da própria academia.

Entidades criticam processo e temem pela integridade do CDC

A manutenção do CDC foi um dos dez pontos de uma carta aberta encaminhada aos candidatos à Presidência da República, no ano passado, assinada por diversas entidades civis, entre elas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A preocupação das organizações do setor com a integridade da lei antecedia a formação da comissão para atualizá-la no Senado, mas se agravou diante da falta de debate para a formulação do anteprojeto, bem como da possibilidade de abertura de novas frentes de mudanças durante o trâmite no Congresso.

- Estivemos reunidos, na semana passada, com a Comissão de Juristas do Senado, e ficaram de nos passar a proposta assim que ela fosse encaminhada ao presidente da Casa, mas ainda não tivemos acesso. O Idec está pedindo insistentemente o documento e, até agora (ontem à noite), nada. Além disso, tememos a possibilidade de emendas ao projeto no Senado que diminuam a abrangência do CDC. Vamos aguardar para analisar o documento, mas a preocupação aumentou - diz Marilena Lazzarini, que é integrante da Comissão de Especialistas do SNDC do Conselho Consultivo do Idec.

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da associação de consumidores Proteste, diz não duvidar da competência da comissão do Senado, mas ratifica que o projeto abre uma brecha para outras modificações não tão pontuais quanto a proposta inicial de atualização:

- Apesar de ainda não ter tido acesso ao texto, acredito que a comissão foi criteriosa e que a qualidade dos profissionais envolvidos é a melhor possível. Mas quando o projeto entrar no Congresso, não sabemos o que pode sair. Há muitos interesses envolvidos, e não teremos mais controle sobre as modificações que poderão ser feitas.