Título: Entidades criticam recuo de Dilma sobre sigilo eterno de documentos
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 15/06/2011, O País, p. 4

Sarney defende medida: "Não podemos fazer wikileaks da História do Brasil"

BRASÍLIA. A decisão da presidente Dilma Rousseff de aceitar que documentos do governo fiquem em segredo por tempo indeterminado foi alvo de críticas da Justiça e de órgãos defensores da liberdade de imprensa. Na Câmara, o projeto da Lei de Acesso à Informação Pública foi aprovado com a previsão de 50 anos, no máximo, para o sigilo de papéis oficiais. No Senado, há intenção de retirar a ressalva. O recuo do Planalto teria sido gerado pela pressão dos senadores e ex-presidentes da República Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP).

Sarney reafirmou que defende o sigilo apenas de documentos históricos do governo referentes à definição das fronteiras do país. Para ele, todos os demais registros, incluindo da ditadura militar e de governos posteriores, devem ser abertos:

- Não podemos fazer "wikileaks" da história do Brasil e da construção das fronteiras. Quanto aos documentos atuais, não tenho restrição. Acho que devem ser abertos e publicados.

Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), é "lamentável" que parte dos senadores pretenda mudar o projeto de lei. "A Abraji espera que o bom senso volte a vigorar entre a maioria dos senadores e no Palácio do Planalto e que o projeto seja aprovado tal qual veio da Câmara: com um tempo máximo de sigilo de 50 anos, prazo já por demais elástico para qualquer tipo de documento público ficar guardado", diz nota da entidade.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) concorda. O diretor-executivo, Ricardo Pedreira, considera importante a aprovação de lei disciplinando o acesso à informação:

- Achamos importante que o Brasil tenha lei para regulamentar o direito de acesso à informação pública. O texto aprovado na Câmara é positivo porque garante ao cidadão o acesso a informações públicas - declarou, lembrando que Dilma enviou a proposta ao Congresso quando estava na Casa Civil.

Em nota divulgada ontem, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, considerou o sigilo indeterminado o mesmo que "negar à sociedade o direito à informação pública". Para ele, o recuo do governo é inaceitável, e 50 anos é "tempo mais que suficiente para manter em sigilo temas que possam ser considerados de segurança nacional".

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse que o recuo pode significar que a Comissão da Verdade perde força:

- Lamento que o recuo de Dilma esteja ocorrendo em razão de pressões pessoais por parte dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor de Melo, que não querem revelar documentos secretos de seus mandatos. Interesses particulares não podem se sobrepor à vontade da sociedade.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, defendeu que os documentos do governo tenham prazo definido para o sigilo. "O sigilo não condiz com o melhor conceito de Estado de Direito e com uma sociedade democrática. O cidadão brasileiro deve ter o direito de conhecer a história do seu país, pois está previsto na nossa Constituição que o poder público tem a obrigação de dar publicidade a seus atos", afirmou em nota.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, afirmou:

- Com o tempo, tudo aquilo que era indevassável acaba de se tornando público. Manter segredo eternamente me parece inadequado.

Acervo do "Brasil: Nunca Mais" volta ao país

Em São Paulo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou inconstitucional a proposta defendida por Sarney e Collor. Ao participar ontem da solenidade de repatriação do acervo "Brasil: Nunca Mais", no auditório da Procuradoria Regional da República, Gurgel defendeu o direito à verdade.

- O direito à verdade é um direito fundamental e qualquer iniciativa que tente afastá-lo tem um grande índice de inconstitucionalidade - afirmou o procurador-geral, que foi explícito: - A posição do Ministério Público será sempre a de defender esse direito fundamental.

Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, homenageado na solenidade também considera inconstitucional o segredo eterno de documentos públicos.

Ontem, começou o repatriamento do acervo de documentos e microfilmes do projeto "Brasil: Nunca Mais", desenvolvido clandestinamente no período da ditadura militar, entre 1979 e 1985, pelo na época arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, e o pastor presbiteriano Jaime Wright.

Uma cópia de segurança dos documentos - 1 milhão de fotocópias de 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) que revelam a extensão da repressão política - foi enviada ao Conselho Mundial das Igrejas (CMI), nos Estados Unidos, e agora retorna ao Brasil. O conteúdo ficará disponível na internet, na página do Arquivo Público do Estado de São Paulo.