Título: Mais sangue na floresta
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 15/06/2011, O País, p. 3

Outro trabalhador rural é morto na Amazônia, apesar da presença da Força Nacional na região

e Evandro Corrêa

Em meio à onda de violência no campo em estados da Amazônia, mais um trabalhador rural foi morto na região, no Pará. Morador do Acampamento Esperança, em Pacajá, Obede Loyola Souza, de 31 anos, foi achado sábado com uma perfuração no ouvido, supostamente provocada por tiro de espingarda. A Polícia Civil disse, com base nas primeiras apurações, que o crime pode se ligar a disputas por terra entre os próprios acampados. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) sustenta que a vítima teve desavenças recentes com madeireiros da área, o que também pode ter motivado a execução.

O crime ocorre em meio à operação ordenada pelo governo federal e batizada Defesa da Vida, para conter a criminalidade na região. Trinta homens da Força Nacional de Segurança foram os primeiros a chegar ao Pará no último dia 9 para ajudar na investigação de crimes sem solução.

Para o coordenador nacional da CPT, Dirceu Luiz Fumagalli, no entanto, a presença da Força Nacional não é algo que intimide os mandantes, porque "eles sabem que é uma situação extremamente temporária e transitória".

Segundo a CPT, Obede foi surpreendido em casa quinta-feira e levado a um pasto a 500 metros dali, onde foi executado. Na véspera, tinha deixado a mulher, Elen Cristina Oliveira, e os três filhos com a sogra. Dois dias depois, o corpo foi achado por caçadores, que acionaram a família. Obede não tinha função de liderança no acampamento e, dizem parentes, não era ameaçado.

Destacada para o caso, a delegada Daniele Bentes, da Divisão de Homicídios de Belém, disse, via assessoria, que a vítima se envolvera em desentendimentos com vizinhos por lotes do acampamento. Mas testemunhas disseram à Pastoral que, meses atrás, ele discutiu com representantes de madeireiros devido à extração ilegal de árvores nativas, sobretudo castanheiras. Outro problema seria o tráfego de caminhões com a carga, que estaria deixando as estradas intransitáveis.

- Para nós, pode haver ligação com esses episódios. Aqui, a prática é essa: quem se coloca no caminho deles (desmatadores) é morto - diz a agente da CPT em Tucuruí Dalva Barroso.

Viúva vai deixar acampamento

Obede só foi enterrado na noite de ontem, numa segunda tentativa da família. O corpo foi levado a um hospital de Tucuruí e liberado para o enterro domingo. Pouco antes da cerimônia, dizem familiares e amigos, homens da Força Nacional de Segurança e da Polícia Civil foram ao cemitério e disseram que o sepultamento não poderia ocorrer, pois deveria haver uma autópsia.

- Chegaram a Força Nacional e o delegado falando que tinha de suspender tudo, porque era preciso levar (o corpo) para perícia. Foi chato - conta o agricultor Francisco Evaristo da Conceição, presidente do Assentamento Barrageira, vizinho ao acampamento em que houve o crime.

A CPT vai pedir proteção do Estado para Francisco Evaristo, que também teria se desentendido com representantes de madeireiros e alega estar sendo vítima de intimidações.

- Estou correndo muito risco - diz o agricultor, que agora evita ficar no assentamento.

A mesma decisão tomará a viúva de Obede:

- Vou sair do acampamento. Estou com medo. Se ele tinha inimigos, nunca me contou.

O casal morava no acampamento há dois anos, onde plantava e alugava um pasto. Com a morte de Obede, já são cinco trabalhadores rurais mortos desde o mês passado no Pará e em Rondônia. O casal de ambientalistas José Claudio e Maria do Espírito Santo foi morto em emboscada em 24 de maio, em Nova Ipixuna. Quatro dias depois, a polícia encontrou o corpo do agricultor Herenilton Pereira dos Santos, apontado como testemunha. O caso ainda não foi solucionado. A Justiça decretou sigilo das investigações.

Em Rondônia, o agricultor e líder do Movimento Camponês Corumbiara, Adelino Ramos, conhecido com Dinho, foi morto a tiros em 27 de maio por um motociclista, enquanto vendia verduras. Ele denunciava a extração ilegal de madeira na área. A Polícia Civil indiciou um homem como executor e não apontou mandantes.

Procurado, o Ministério da Justiça negou que a Força Nacional, que atua em Santarém, Marabá e Altamira (na região de Pacajá), tenha levado o corpo do cemitério. Informou que, se foi feito, o pedido coube à Polícia Civil, que não se pronunciou sobre o assunto ontem. O ministério explicou que, se necessário, enviará reforço a Pacajá, mas aguardará pedido do governo do Pará. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência não informou se enviará equipes à cidade. Em nota, explicou que as forças de segurança do governo federal estão realizando a "segurança coletiva e auxiliando na investigação dos crimes de homicídios". "A ocorrência de mais esse crime reforça a necessidade de uma ação integrada e enérgica que enfrente a impunidade", acrescentou.