Título: Chances de afirmação do governo Dilma
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Fonte: O Globo, 14/06/2011, Opinião, p. 6

A ideia de que a presidente Dilma Rousseff, com a saída de Antonio Palocci da Casa Civil, iniciaria para valer seu governo foi reforçada pelas nomeações da senadora Gleisi Hoffmann no lugar daquele que seria o ministro forte da sua administração, e a transferência de Ideli Salvatti da inexpressiva Pasta da Pesca - criada na Era Lula para ampliar as possibilidades de empregos de companheiros - para a Secretaria de Relações Institucionais, formalmente a responsável pela coordenação política.

Foram dois movimentos que mudaram as perspectivas para o governo Dilma. A presidente saíra fragilizada dos mais de 20 dias de agonia de Palocci, que se autoimolou ao preservar as informações sobre seus contratos de consultoria. A ruidosa aparição de Lula em Brasília, queiram ou não, reforçou a imagem de uma presidente sob tutela, incapaz de articular alguma saída de menor dano para a crise. A imagem era de uma Dilma órfã sem Palocci, presa fácil de um PT ávido por mais influência, vagas e verbas, e de um PMDB sempre hábil em estar no poder sem os desgastes do cotidiano do governo, desta vez bem situado na Vice-Presidência da República. A escolha, de cunho pessoal, de Gleisi e Ideli atingiu alvos diversos. Em duas penadas, a presidente firmou alguma autonomia diante do mentor Lula e, até mais importante, do PT, que gostaria de ter o líder do governo na Câmara, Candido Vacarrezza, no lugar de Luiz Sérgio, e não Ideli. E ainda manteve a uma distância segura o PMDB, embora deva com este reparar o diálogo abalado pela intempestiva decisão de, por meio de Palocci, ameaçar Michel Temer devido à derrota de Palácio na votação do Código Florestal.

Com as nomeações, Dilma pretende dar um perfil mais administrativo, de coordenação, à Casa Civil, como foi na sua gestão, e concentrar a articulação política em Ideli. Na prática, porém, será inevitável a presidente se envolver nas negociações político-partidárias, nas quais precisa contar com a ajuda de Temer. Até para atenuar qualquer ação mais abrasiva de Salvatti.

A arquitetura de poder construída por Dilma precisa, claro, mostrar resultados. E, neste sentido, vem a calhar o perfil técnico de Gleisi, com uma passagem bem-sucedida em 1999 e 2000 no governo petista de Mato Grosso do Sul: fez ampla reforma administrativa, com o corte de 30% dos cargos em comissão, extinguiu secretarias, fechou estatais. Claro, enfrentou problemas com o PT e aliados locais, mas ajudou a resgatar as finanças do estado. Gleisi chega a um governo que acaba de criar uma câmara de gestão e desempenho, com a ajuda de empresários como Jorge Gerdau e Abílio Diniz, e na qual, como ministra da Casa Civil, ela tem assento. O Executivo precisa de uma terapia como a que a ministra aplicou na gestão de Zeca do PT.

Também do ponto de vista pessoal Dilma cria imagem própria quando, de forma elegante, cumprimenta o ex-presidente FH pelos 80 anos, e reconhece a importância histórica que ele teve na estabilização da economia - algo raro no PT. Se exercer a política com esta postura, passará até a ser possível um leque de alianças que viabilize reformas imperiosas, como a da Previdência. Facilitará ao seu governo manter um espaço de negociação com a oposição. Reconhecer o peso da biografia de FH não é apenas uma demonstração de honestidade intelectual, mas um gesto de sapiência política.