Título: Herói do combate às drogas
Autor:
Fonte: O Globo, 13/06/2011, Opinião, p. 7

CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Paul Johnson é um dos grandes historiadores e intelectuais da atualidade. Autor do monumental ¿Tempos modernos¿, seus textos são provocadores. Em seu livro ¿Os heróis¿, destaca a importância decisiva das lideranças morais.

¿Os heróis¿, diz, ¿inspiram, motivam. (¿) Eles nos ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa¿. Os comentários de Johnson trazem à minha memória a vida de um herói, cuja morte ocorreu na madrugada do dia 29 de maio, em Taquaritinga, interior de São Paulo: Leo de Oliveira, diretor da Comunidade Terapêutica Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br).

Leo lutou bravamente contra um câncer devastador. Fragilizado, com as defesas na última lona, sucumbiu ao ataque oportunista de uma pneumonia. Nunca se queixou. Tinha uma fé inquebrantável, raiz de seu otimismo contagiante. Após uma consulta ao seu oncologista, e na iminência de uma nova cirurgia, enviou-me uma mensagem bem característica de sua maneira de enfrentar as contradições: ¿Não existe outra alternativa. Cirurgia. O novo tumor está atrás do coração. Nada que Deus não possa resolver.¿ Assim era Leo.

Não pensava em si mesmo. Sua vida foi uma dedicação total aos seus ¿meninos¿, aos dependentes de drogas que, ao longo de três décadas, encontraram nele um braço de pai e um coração de mãe. Mais de mil jovens recuperaram a dignidade e a esperança na entidade fundada por Leo de Oliveira. Seu sepultamento, na tarde ensolarada do último domingo de maio, foi impressionante. Centenas de jovens recuperados, vindos dos quatro cantos do Brasil, desembarcaram na pequena Taquaritinga. As lágrimas não eram apenas um frêmito de dor. Eram um grito de agradecimento, uma sentida despedida daquele que lhes devolveu a vida.

Em contraste com o trabalho de recuperação dessa entidade, com notáveis índices de reabilitação, vejo, com preocupação, renovadas tentativas de liberação das drogas, algumas capitaneadas por lideranças respeitáveis. É o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da ¿inofensiva¿ maconha preconizada pelos arautos da liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de adictos.

Leo de Oliveira morreu pobre. Nunca ocupou as manchetes dos jornais. Mas foi um autêntico herói. Os dependentes de drogas recuperados pela eficácia do seu trabalho silencioso encontraram nele um exemplo e um modelo de dedicação e carinho. Sua existência foi fecunda. E sua presença se perpetuará na transparência dos olhos de centenas de jovens.

CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo. E-mail: difranco@iics.org.br

oglobo.com.br/opiniao