Título: Lina Vieira assombra Mantega
Autor: Allan, Ricardo; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 11/08/2009, Economia, p. 17

Ofendida com demissão atabalhoada, ex-secretária constrange o ministro da Fazenda e o governo ao revelar o uso político da Receita Federal. Lina foi indicada pelo PT, mas perdeu o cargo por não suspender investigações contra a família Sarney e enfrentar empresas que financiam campanhas

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira está tirando o sossego do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Desde que foi demitida, há um mês, ela tem fustigado publicamente o ex-chefe ao divulgar os ¿reais motivos¿ da sua retirada do cargo, que ocupou por pouco mais de 11 meses. Os técnicos fiéis a Lina insinuam que ela caiu por resistir ao uso político do órgão. Segundo a versão deles, o Palácio do Planalto estaria incomodado com a fiscalização a grandes empresas, potenciais financiadoras da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, na corrida à Presidência da República em 2010. O pente fino nos negócios da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), também teria descontentado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A demissão se deu no auge da crise levantada pela investigação de uma manobra contábil da Petrobras, que resultou na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a ser usada como palco pela oposição. Por mais que Lina cerre o tiroteio contra Mantega, o ministro não tem comprado a briga. A confirmação da dispensa ocorreu só quatro dias após o vazamento da notícia. Ainda assim, Mantega se recusou a dizer os motivos. Sem explicações, comunicou a Lina que precisaria do cargo, nomeou interinamente o secretário-adjunto, Otacílio Cartaxo, e tirou 10 dias de férias. Esperava que o fogo baixasse, mas a secretária defenestrada não deixou o assunto sair das páginas dos jornais. Para fugir ao cerco, o ministro já até afirmou que não tem satisfação a dar sobre o assunto.

Os próprios auditores da Receita cobram uma posição mais firme de Mantega sobre os destinos do órgão. Eles não aceitam que uma estrutura eminentemente técnica, que presta uma função essencial para o funcionamento do Estado, seja jogada de uma hora para a outra no meio de uma crise política. ¿Não entendo por que o ministro não vem a público se explicar. Isso acabaria com todos os rumores que circulam por aí. Num governo aberto e bem intencionado, não há nada a esconder¿, reclama um respeitado fiscal. Para ele, mesmo sendo filiado ao PT, Mantega tem a obrigação de preservar a Receita da luta partidária para não atrapalhar os planos eleitorais de Dilma. A ministra, por sinal, teria chamado Lina a seu gabinete no fim do ano passado pedindo a suspenção das investigações contra a família Sarney, o que a ex-secretária disse não ter atendido, conforme entrevista que ela concedeu, no último domingo, à Folha de São Paulo.

Mulher-bomba

No sindicato que representa os auditores, as declarações públicas e as ameaças veladas da ex-secretária são vistas por seus adversários como ataques de ¿alguém que quer aparecer¿. Em pleno processo eleitoral, que escolherá o comando da entidade única que auditores-fiscais da Receita e seus colegas da extinta Receita Previdenciária decidiram criar, as reaparições de Lina ajudam a inflamar a guerra interna. As chapas que disputam a hegemonia dentro do Sindifisco, nome da nova entidade, travam um duro debate em torno de bandeiras que durante o ¿reinado¿ de Lina eram prioridades.

Mantega estaria apenas aguardando a definição do quadro político interno para anunciar o nome do substituto definitivo da ex-secretária. ¿Ela resolveu virar uma mulher-bomba. Nunca vi uma pessoa sair atirando tanto¿, diz um técnico da Receita. Para um outro fiscal, Lina está criando polêmica para tentar ¿sair por cima¿, evitando as acusações de ter desarticulado o órgão ao entregar seus principais cargos a sindicalistas sem experiência administrativa. ¿Durante todo esse tempo, eles fizeram o que quiseram, com a complacência do ministro Mantega. Sob pressão da cúpula que subiu com ela, Lina acabou com o planejamento da fiscalização. Foi o paraíso para quem faz corpo mole¿, diz.

Segundo uma fonte da Fazenda, a demissão havia sido cogitada já em março, quando se percebeu que a arrecadação não reagiria. Irritado por ser o porta-voz das notícias ruins, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reclamou do desempenho de Lina. ¿Não foi uma ou duas vezes que ele se reuniu com o Mantega para se queixar. Ouviu que demiti-la seria assumir publicamente o erro de ter substituído Rachid¿, afirma. Pela primeira vez desde a recessão de 1990, as receitas caíram oito meses seguidos. A retração no primeiro semestre foi de 7,5%, o que representou R$ 6,3 bilhões a menos.

O número R$ 6,3 bilhões Queda da arrecadação federal no primeiro semestre deste ano

Colaborou Deco Bancillon

Divergências

Versões para a dispensa

Incompetência Segundo a versão propagada pelos opositores da ex-secretária na Receita e vazada pelo Palácio do Planalto, Lina teria sido demitida porque o presidente Lula estaria insatisfeito com seu trabalho. Ele exigiria dela mais criatividade para combater a redução da arrecadação causada pela crise internacional. Lula também estaria preocupado com o volume de recursos obtidos pela fiscalização, que teria diminuído 11% no primeiro semestre

Grandes contribuintes A ex-secretária insinuou que teria sido demitida justamente por ter aumentado a eficiência da fiscalização sobre os grandes contribuintes, tirando o foco dos trabalhadores e das pequenas empresas. A ênfase seria sobre bancos. Segundo Lina, insatisfeitas com o aperto na investigação de suas contas, algumas das maiores companhias do país fizeram pressão política pela sua queda. Fontes da Receita, porém, afirmam que o apurado com esse segmento caiu 37% no semestre

Petrobras Técnicos ligados à ex-secretária dão a entender que ela foi defenestrada por ter mandado fiscalizar uma operação contábil feita pela Petrobras para pagar menos impostos. Ao ter abandonado o regime de caixa e adotado o de competência, a estatal deixou de recolher R$ 2,14 bilhões. Para os técnicos da Receita, a legislação em vigor não permitiria a mudança. Mantega defende a legalidade da ação da empresa. O silêncio de Lina teria inflado a polêmica, que resultou na criação de uma CPI

Sarney O Planalto estaria contrariado com uma fiscalização da Receita contra a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Lina teria sido convocada para uma conversa com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que teria pedido para que os fiscais ¿agilizassem¿ a apuração nas contas de Fernando Sarney, filho do senador, e suas empresas em decorrência da operação Boi Barrica da Polícia Federal. Lina interpretou o recado como um pedido para encerrar os trabalhos, mas o ignorou

O que ela já disse desde que deixou a Receita

¿Ele não apresentou um motivo. Só disse que precisava substituir o comando da Receita¿ (sobre as razões de Mantega para tirá-lo do cargo)

¿Não sei. É preciso perguntar ao ministro. Ele é que pode dizer¿ (sobre se sua demissão foi política)

¿Descontentamos muitos porque tiramos o foco dos velhinhos, dos assalariados e nos concentramos nas grandes empresas¿ (sobre as polêmicas que criou)

¿Não falo em nomes de contribuintes por causa do sigilo fiscal. Todas as grandes empresas passaram a ter um olhar mais atento do Fisco¿ (sobre se sua saída está relacionada ao caso Petrobras)

¿Trata-se de uma opção do governo¿ (sobre a queda na arrecadação provocada pelo corte de impostos para incentivar o crescimento da economia)

¿Se for convocada, irei¿ (sobre seu possível depoimento na CPI da Petrobras)

¿Fui embora e não dei nenhum retorno¿ (sobre sua reunião com Dilma Rousseff)