Título: PSD vence em Portugal com eleitor apático
Autor: Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 06/06/2011, O Mundo, p. 25

Socialistas são derrotados em pleito com índice de abstenção recorde

LISBOA. Com um programa de liberalismo e austeridade, o Partido Social-Democrata (PSD) de Pedro Passos Coelho vai assumir o governo de Portugal, após vencer as eleições parlamentares de maior abstenção desde a Revolução dos Cravos, em 1974. No poder há seis anos, o Partido Socialista (PS) teve um dos seus piores desempenhos das últimas duas décadas, levando o premier José Sócrates a abandonar imediatamente o cargo de secretário-geral.

- Não vou votar, então já tens aí a minha resposta. Estou saturado disso tudo - disse, sem muita conversa, o comerciante Manuel Pinho, resumindo o estado de espírito de boa parte do eleitorado.

O índice de abstenção foi de 41,1%. A proporção de brancos, 2,7%, também é recorde histórico. O PSD teve um desempenho acima do esperado, chegando a 38,6% contra 28,1% do PS - na sexta-feira, a última pesquisa apontava 36% para os social-democratas.

- A surpresa é a amplitude da distância para o PS. É um resultado que não é banal - diz António Costa Pinto, ex-presidente da Academia Portuguesa de Ciência Política e professor da Universidade de Lisboa.

Em 2002, tendo à frente o atual presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, o partido conseguiu 37,8% dos votos. O então premier se demitiu dois anos depois, assim como Sócrates fez em março. O futuro premier, o economista Pedro Passos Coelho, de 46 anos, é ex-deputado e ex-vereador, mas nunca ocupou uma vaga no Executivo. Eleito presidente do PSD após a 2ª derrota consecutiva dos social-democratas nas eleições parlamentares, Coelho é de uma ala mais liberal do partido, em comparação com a de Manuela Ferreira Leite, última ocupante do cargo.

PSD tem votação insuficiente para constituir maioria

O programa de Passos Coelho acentua a necessidade de desmantelar o Estado gordo - redução no funcionamento e no acesso, privatização da propriedade ou da gestão de serviços públicos- segundo Patrícia Silva, pesquisadora da Universidade de Aveiro:

- É um programa mais radical, não está claramente ao centro.

É o que disse buscar o estudante Rafael Gorjão, de 20 anos, logo após votar em São Jorge de Arroios, em Lisboa:

- Acho que neste momento é a melhor solução para o país. São as políticas que eu defendo: mais liberalização, mais privatização.

O gestor João Ascensão, de 30 anos, repete a palavra de ordem do programa dos social-democratas:

- Emagrecer o Estado, que financia tudo e todos aqui.

O partido também capitalizou o voto de protesto contra José Sócrates. Desde 2009, quando começou o seu segundo mandato, o premier apresentou quatro pacotes de austeridade, cortando salários públicos e benefícios sociais e congelando aposentadorias. O desemprego em Portugal é recorde: 12,6%. Embora a economia da Zona do Euro já tenha voltado a crescer, a portuguesa recuará este ano. O premier também foi o responsável por formalizar o terceiro pedido de ajuda ao FMI em pouco mais de 30 anos.

- Na última hora, alguns indecisos expuseram o seu voto de protesto contra o PS - afirma António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa.

Com votação insuficiente para constituir maioria, o PSD deve chamar para o governo o conservador CDS. O partido teve o seu melhor desempenho desde 1983, ajudando a confirmar a tendência na Europa de uma guinada à direita após a crise econômica - o mesmo tendo acontecido na Irlanda, em fevereiro, e nas eleições regionais da Espanha, em maio.

Marc Oswald, estrategista da Momentum Securities, minimiza a falta de uma maioria absoluta para a confiança de que Portugal irá cumprir as medidas de austeridade.

- Os dois maiores partidos (PSD e PS) disseram que vão seguir aquilo que acordaram. A dúvida é se vão assumir aquele truque político antigo de descobrir que o buraco deixado pelo governo anterior é bem maior.

Vanessa Rossi, do centro de estudos britânico Chatham House, concorda:

- O FMI e a Comissão Europeia precisam de um governo que leve o acordo para a frente. Então, não devem se preocupar com que tipo de coligação será formada e, em todo caso, há pouca margem de manobra no curto prazo.