Título: Hora de começar o governo Dilma
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Fonte: O Globo, 09/06/2011, Opinião, p. 6
A escolha da senadora Gleisi Hoffmann, do PT paranaense, para substituir Antonio Palocci na chefia da Casa Civil, opção de cunho pessoal da presidente, deve marcar uma saudável reação de Dilma ao risco de ser tutelada pelo ex-presidente Lula.
Ela pode, assim, começar a abrir espaço próprio de manobra, depois dos danos causados à sua autonomia pelo desembarque de Lula em Brasília, no agravamento da crise em torno do ex-ministro.
Tanto melhor, pois isso ajuda a restabelecer a confiança perdida na gestão Dilma, durante a fase de imobilismo diante do problema criado com a descoberta das consultorias prestadas por Palocci de 2007 a 2010, sobre as quais ele se recusou a prestar à sociedade as necessárias informações detalhadas. E injetar confiança perante o governo, qualquer que seja ele, é essencial para manter em execução projetos de investimentos do setor privado e estimular novos.
O reforço para Dilma é duplo, pois, para nomear Gleisi, saiu Palocci, um dos dois homens de confiança de Lula no Planalto - o outro é Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. A presidente ganha oxigênio político próprio com a demissão daquele que seria o ministro forte do seu governo, ungido por Lula, e com a nomeação de Gleisi.
A definição de que Gleisi, segundo disse a própria senadora no final da tarde de terça-feira, na primeira entrevista como ministra convidada, será a Dilma da Dilma, responsável, portanto, pela coordenação técnica do governo, coloca um grande ponto de interrogação sobre o futuro da coordenação política da heterogênica base parlamentar- considerando que o ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, não tem dado conta da missão.
O momento é mais do que oportuno para a presidente, por meio do vice Michel Temer, suturar a aliança com o PMDB e não ficar refém de facções do PT. Afinal, continua a pairar sobre a gestão Dilma a ideia de lideranças do partido de que, sem Lula no Planalto, seria a hora de executar o "projeto do PT". Pode-se imaginar qual seja - e não seria bom para o país.
A questão é saber o preço a pagar por esta lanternagem no relacionamento de Dilma Rousseff com o PMDB. O terreno é escorregadio, pois, se o PMDB é a conhecida confederação de caciques regionais, o PT se constitui uma frente de grupos de esquerda, onde há de fisiológicos e negocistas a saudosistas do "socialismo real", sonho que, na América Latina, quando se tenta realizar, produz Estados autoritários, populistas e economicamente inviáveis.
Lula foi o melhor coordenador político de seu governo. Perdido José Dirceu - o marco zero da "maldição" que tomou conta da Casa Civil, e desde então fulminou Erenice Guerra e agora Palocci -, Lula assumiu a função e, do ponto de vista de seu projeto de poder, teve êxito. Dilma é testemunha porque, desde o final do primeiro mandato lulista, cuidou da administração do governo enquanto o chefe fazia política e trabalhava pela eleição dela.
Dilma Rousseff, na versão presidencial, conseguirá repetir o papel de Lula? Difícil imaginar. Daí a importância do ministro a ser encarregado da articulação política. Ele terá de contar com estrita confiança da presidente. Não pode ser instrumento de tutela.