Título: Relator vota contra fusão Sadia-Perdigão e Cade suspende julgamento
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 09/06/2011, Economia, p. 28

BRASÍLIA. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deixou claro ontem, com uma contundência para muitos inédita, que Sadia e Perdigão terão que se desfazer de marcas e ativos importantes se quiserem aprovar sua fusão no mercado brasileiro, por meio da BRF-Brasil Foods. Num voto que reuniu mais de 500 páginas e cuja leitura levou cerca de cinco horas, o conselheiro relator do processo, Carlos Ragazzo, fez duras críticas às empresas e rejeitou o negócio, afirmando que ele tem forte potencial de prejudicar a concorrência e os consumidores. A concentração em alguns mercados ultrapassa 80%. O Cade, porém, acabou suspendendo o julgamento devido a um pedido de vistas do conselheiro Ricardo Ruiz.

- Raramente se vê em casos antitruste uma fusão na qual a probabilidade de danos ao mercado e ao consumidor se mostra de maneira tão substancial e evidente. Esse ato tem o condão de causar aumentos de preços e danos extremos ao consumidor - defendeu Ragazzo.

Ruiz chegou a elogiar o posicionamento do relator, mas disse que precisaria de mais tempo para analisar o voto. Ele se comprometeu a trazer o assunto para a pauta de julgamento já na semana que vem. Nos bastidores, no entanto, o que dizem advogados e técnicos do próprio governo é que o Cade orquestrou o pedido de vista pós-rejeição para dar um recado à BRF.

Companhia fala em negociar "sem radicalismo"

Ao longo da instrução do processo, a empresa - cujo comportamento é considerado dentro do governo desastroso - se manteve irredutível no argumento de que a fusão deveria ser aprovada sem restrições porque geraria ganhos para a economia como um todo. Apenas há poucas semanas a companhia se dispôs a abrir mão de parte dos negócios em troca de uma aprovação do Cade com restrições. Essas medidas, no entanto, foram consideradas insuficientes por Ragazzo, que chegou a chamar de "ridícula" a participação de mercado da Excelsior, uma das marcas que a BRF se dispôs a vender.

O recado parece ter sido entendido. Ao fim da sessão, o diretor de Assuntos Corporativos da BRF, Wilson Mello Neto, afirmou que a empresa continuará trabalhando para encontrar uma solução negociada. Segundo ele, a ideia a partir de agora será conversar com os demais conselheiros sobre a operação:

- São cinco conselheiros que votam (neste caso) e ainda faltam quatro votos. Podemos encontrar uma solução negociada e sem radicalismo.

A BRF já estava ciente de que teria que melhorar sua proposta ao Cade. Segundo fontes da empresa, isso ainda não foi feito porque já se sabia que o relator pediria mais restrições a partir do momento em que a BRF sugerisse alguma medida. Portanto, a estratégia foi fazer uma proposta inicial para depois avançar, inclusive vendendo marcas com maior participação no mercado.

Em nota divulgada ontem, a BRF destacou que "discorda do posicionamento do relator", mas "considera o pedido de vistas positivo, por entender que o caso é complexo e, agora, os demais quatro conselheiros terão mais tempo para avaliar a questão".

Preços de salsicha e presunto podem subir até 40%

Em seu voto, Ragazzo disse que a operação resultará em fortes aumentos nos preços de diversos produtos. Segundo ele, estudos mostram que alimentos processados como presunto e salsicha, por exemplo, poderão ficar até 40% mais caros por causa do poder de mercado de Sadia e Perdigão juntas.

Ragazzo destacou que as duas marcas são campeãs na preferência dos consumidores. Isso significa que quando uma sobe os preços ou falta, os consumidores migram para a outra. Ele rejeitou o apelo que a BRF Foods tem feito de que a fusão, ao criar a segunda maior empregadora e a terceira maior exportadora do país, fortalece a economia e a competitividade nacionais, pois só uma gigante pode competir em pé de igualdade com outras múltis no mercado global.

- O fortalecimento de uma empresa não pode se sobrepor ao bem-estar dos consumidores brasileiros. Os produtos não são supérfluos, são produtos que atendem às necessidades mais básicas da população, pois são alimentos. Esse ato tem o potencial de gerar muito mais danos do que benefícios à sociedade. Uma fusão anticompetitiva tem os mesmo efeitos de um cartel - disse o relator.

O advogado especialista em direito concorrencial José Del Chiaro elogiou o voto de Ragazzo. Segundo ele, o conselheiro fez uma análise extensa do mercado e dos efeitos da fusão sobre os consumidores. Para Del Chiaro, o Cade se arrepende até hoje de ter aprovado uma operação como a criação da AmBev (que uniu Brahma e Antarctica). Por isso, o conselho tem hoje uma visão mais cautelosa e chegou a rejeitar atos de concentração de peso, como a fusão Nestlé-Garoto.

A BRF tentou até o último minuto adiar a sessão de julgamento e contava com um pedido de vistas do Ministério Público Federal (MPF) para que ela fosse suspensa. O representante do MPF no Cade, Luiz Augusto Lima, alegava precisar de mais tempo para analisar os detalhes e chegou a se comprometer a trazer o processo para o plenário do Conselho em até duas semanas. Mas os conselheiros entenderam que a demanda não procedia e rejeitaram a proposta.