Título: O fantasma nuclear
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 16/06/2011, O Mundo, p. 31

Exposição em Nova York traz fotos inéditas do ataque à Hiroshima

À ESQUERDA, a escada de aço retorcida na biblioteca Asano, em Hiroshima; na foto maior, a visão, a sudoeste, da cidade totalmente devastada após o ataque nuclear em 1945

NO ALTO, o auditório do Hiroshima City Hall destruído; à direita o que restou da Chugoku Coal Distribution Company, a empresa de gás de Hiroshima; e os escombros de uma área da Companhia de Telefone

NOVA YORK. Nas 60 fotos de¿Hiroshima: Ground Zero 1945¿, exibidas respeitosamente em seu tamanho original (10cm X 13cm), o Centro Internacional de Fotografia faz uma arqueologia da tragédia atômica e da ¿necropsia¿ realizada pelos americanos na cidade que haviam acabado de destruir. Igualmente chocantes são a devastação e a precisão clínica do relato de estruturas de concreto danificadas, vidros estilhaçados, pinturas derretidas pelo fogo. Tudo catalogado e indexado ao mapa de Hiroshima, num trabalho feito menos de dois meses após o bombardeio.

As fotografias têm uma história dentro da História: sobreviveram ao sigilo governamental, a um incêndio e ao imininente recolhimento para serem trituradas pelo caminhão do lixo. Estão em exibição em Nova York até 28 de agosto, e deverão correr o mundo, dado o grande número de pedidos que o centro já recebeu do exterior.

¿ Poucos viram essas fotos, mas acho que em outros países as pessoas estão dispostas a ter uma visão mais crítica dos EUA. Nós, americanos, temos dificuldade em ver os atos do governo como agressão. Muitos americanos não sabem que a expressão ground zero foi usada primeiro em Hiroshima ¿ diz a curadora da exposição, Erin Barnett.

A investigação americana sobre os efeitos da bomba atômica começou em outubro de 1945, com o desembarque de cerca de mil civis e militares do Grupo de Pesquisa Estratégica do Bombardeio, criado pelo então presidente dos EUA Harry Truman após o fim da Segunda Guerra. O Arquivo Nacional dos Estados Unidos possui a coleção completa, de 1.125 fotos, mas elas nunca foram exibidas publicamente.

Objetivo era criar técnicas de construção urbana

A Divisão de Danos Físicos tinha como objetivo colher dados para embasar o planejamento urbano e novas técnicas de construção nos EUA. Hiroshima foi considerada um ambiente ideal para o experimento, porque tinha densidade demográfica similar à de Nova York, e prédios com vários andares. Os técnicos concluíram que as estruturas de concreto dos prédios americanos deveriam ser reforçadas, e que era interessante que as indústrias essenciais fossem deslocadas para a periferia, de forma a serem preservadas de uma bomba no centro, alvo natural por ser mais povoado.

O engenheiro e arquiteto Robert L. Corsbie, oficial da Marinha e membro da Divisão de Danos Físicos, ficou com as fotos, exibidas no centro. Depois da guerra, ele trabalhou na Agência de Energia Atômica e participou de testes nucleares no deserto de Nevada. Em 1967, ele, a mulher e o filho morreram no incêndio de sua casa. A casa dos Corsbie era uma fortaleza, e os bombeiros não conseguiram salvá-los. Tudo indica que as técnicas de construção antibomba custaram a vida ao engenheiro.

Mas a saga das fotos continuou: protegidas no porão, ficaram intactas e passaram para a filha mais velha, única sobrevivente, que já não morava com a família. Nos anos 70, ela contratou dois homens para uma mudança: um deles ficou com as fotos, e o outro com a caixa de madeira, com inscrições em japonês e o nome de Robert Corsbier, na qual haviam vindo da Ásia. Em 2000, as fotos foram achadas numa rua de Watertown, Massachusetts, por Don Levy, colecionador de quinquilharias que gostava de vasculhar lixo alheio.

Três anos depois, ele contatou Andrew Roth, dono de uma galeria de fotografia em Nova York, e com a ajuda dele e do escritor e cineasta Adam Harrison Levy, o quebra-cabeças foi montado. Em 2006, as fotos foram compradas pelo centro, que adquiriu os três volumes da publicação oficial.

O centro sabe que o tema Hiroshima e Nagasaki ainda é polêmico nos EUA, e as reações à exposição mostra que persiste a divisão entre os que acham que os ataques foram necessários ou cruéis:

¿ De qualquer lado que você esteja pode ver a devastação e decidir se foi apropriada ou não. A destruição foi horrenda, mas geralmente as pessoas só veem fotos do cogumelo atômico, vistas aéreas. É diferente ver cada prédio ¿ conclui Erin Barnett.