Título: Ceifando vidas
Autor: Alencar, Chico
Fonte: O Globo, 16/06/2011, Opinião, p. 7

"Quando uma castanheira tomba, é como se morresse uma mãe de família" (José Claudio Silva, agricultor e ambientalista, 1953/2011)

"Urbanoides!" Assim são classificados pelos ruralistas os parlamentares que se opõem à flexibilização do Código Florestal. O adjetivo redutor revela visão estreita e compartimentada, de um Brasil urbano que não teria conexões com o Brasil rural. Os 2/3 da população brasileira que vivem nas regiões metropolitanas sofrem também as consequências de uma ocupação do solo que agrava tragédias, como na Região Serrana do Rio.

Código Florestal é assunto nacional, planetário. O que se aprovou na Câmara dos Deputados - e está em discussão no Senado - merece, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mais tempo de exame. Mas o afã do lucro e da anistia de multas por desmatamento anda afoito...

Em 1965, a proposta do Código que atualizava o primeiro, de 1934, alertava: "Ocorrem inundações cada vez mais destruidoras, pela remoção desordenada das florestas, afetadas em sua função hidrogeológica e antierosiva." Quase meio século depois, as derrubadas, na Amazônia, nos últimos oito meses, cresceram 27%!

As mudanças aprovadas por 410 deputados são insustentáveis. Pequenos agricultores, carentes de créditos e apoio por serviços ambientais, foram usados como biombo para liberar grandes desmatadores. Estudos do Ipea demonstram que as alterações, se confirmadas, representarão, só nas Reservas Legais, perdas de 63% na Mata Atlântica, 50% nos Pampas, 38% no Cerrado, 24% na Amazônia e 16% no Pantanal. Representantes do agronegócio - os 3% de proprietários que controlam 65% das terras - consideram Reserva Legal e Área de Preservação Permanente "um ineditismo brasileiro, um confisco ao direito de propriedade".

Quem decodifica o projeto Aldo Rebelo (PCdoB), fertilizado pela emenda do PMDB, vê que ele enfraquece a Lei de Crimes Ambientais, esvazia o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e o papel do MP, fraciona a gestão integrada, permite atividade agrossilvopastoril em APPs, das quais foram excluídas várzeas, dunas, veredas e manguezais, autoriza pastagens em topo de morros, exclui o termo "florestal" de manejo sustentável, favorece a exploração ilimitada do Pantanal e atribui aos estados, com sua maior vulnerabilidade a pressões, as licenças ambientais até aqui exclusivas da União.

No século do aquecimento global e da transição para uma economia de baixo carbono, a decepação do Código Florestal é antieconômica. Está provado que cuidado ambiental melhora a produtividade agrícola: o fortalecimento do regime hídrico e da polinização aumenta em 50% a produção da soja, 40% a do café, 35% a do algodão. O clamor mundial por uma cadeia produtiva limpa impõe barreiras a produtos de país que fraqueja sua proteção ecológica.

Árvores e vidas humanas ceifadas: nos últimos 15 anos, apenas no estado do Pará, 212 pessoas foram mortas, além de 809 estarem sofrendo ameaças. Podados em sua dignidade, 28 mil seres humanos foram reduzidos à condição de escravos. Os mandantes de assassinatos e exploradores do trabalho sentem-se à vontade, autorizados pela impunidade. Concentração fundiária, contrabando de madeira e omissão do poder público formam um rio poluído que desemboca na matança. Até quando?

CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL-RJ).