Título: Rainha é preso sob suspeita de desvio de verbas
Autor: Oliveira, Nel
Fonte: O Globo, 17/06/2011, O País, p. 9

Recursos eram destinados a assentamentos da reforma agrária em SP; PF diz que ex-líder do MST era o chefe do esquema

PRESIDENTE PRUDENTE. Em uma operação deflagrada ontem para desmantelar um suposto esquema de desvio de recursos públicos destinados a assentamentos rurais em São Paulo, a Polícia Federal prendeu nove pessoas no estado, entre elas, o líder sem-terra José Rainha Júnior, liderança dissidente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Pelo menos R$5 milhões em repasses do governo federal para entidades de assentados no Pontal do Paranapanema, principal foco de conflito agrário no estado, estão sob suspeita.

A Operação Desfalque começou logo pela manhã e percorreu oito municípios do Pontal, além da capital paulista. Segundo o procurador da República Luís Roberto Gomes, a investigação teve origem em denúncias dos próprios assentados, que afirmaram em diversos depoimentos ao Ministério Público Federal e à PF que "não aguentavam mais ser espoliados e controlados pela organização criminosa" liderada por Rainha.

O suposto esquema vem sendo investigado desde 2009. Cinco inquéritos foram instaurados para investigar associações, cooperativas e institutos ligados a assentamentos do Incra. O líder do esquema, segundo a PF, seria Rainha. Ele foi preso por agentes federais numa casa em Presidente Prudente. É a primeira vez que Rainha é preso por desvio de verbas e, pelo menos, a quinta vez desde 2002. Na casa também foi presa uma mulher acusada de pertencer ao grupo. Rainha foi transferido ontem para São Paulo.

- Por uma questão de estratégia da investigação - justificou o delegado da Polícia Federal Ronaldo de Góes Carrer.

A prisão temporária é pelo prazo de cinco dias, mas pode ser prorrogada por mais cinco. Dos dez mandados de prisão expedidos pela Justiça, apenas um não foi cumprido. Entre os demais presos há cinco homens e quatro mulheres. Além de Rainha, foram detidos um empresário que colaboraria com o esquema criminoso e, na capital paulista, o irmão de Rainha, o advogado Roberto Rainha. Entre as mulheres está Priscila Viotti, funcionária de uma empresa que presta serviços de assistência técnica e extensão rural no escritório regional do Incra em Andradina. Eles foram ouvidos na delegacia da PF em Presidente Prudente e encaminhados para cadeias em Adamantina e Presidente Venceslau.

Superintendente do Incra presta depoimento

Em São Paulo, o superintendente regional do Incra, Raimundo Pires Silva, o "Bombril", prestou depoimento e foi liberado. Ao todo foram cumpridos nove mandados de prisão, sete mandados de condução coercitiva (incluindo o superintendente do Incra) e 13 mandados de busca e apreensão. Cerca de 50 policiais atuaram nas cidades de Andradina, Araçatuba, Euclides da Cunha Paulista, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Prudente, Sandovalina, São Paulo e Teodoro Sampaio.

O delegado da PF explicou que um dos crimes apurados pela investigação é o de desvio de recursos públicos repassados pelo Incra a entidades criadas pelos assentados. Também teriam sido desviadas cestas básicas fornecidas pelo governo federal aos agricultores.

- O líder (da organização criminosa) indicava pessoas de sua confiança para os cargos de diretoria. As entidades apresentavam ao Incra um projeto de cunho social em favor de famílias assentadas. O dinheiro era depositado nas contas dessas entidades. Por meio de métodos fraudulentos, inclusive com uso de notas frias, o dinheiro era desviado - explicou o delegado.

O delegado afirmou ainda haver provas de que o dinheiro público tenha sido usado para custear invasões e manifestações de apoio à permanência de um servidor do Incra de São Paulo no cargo, ocupando função de chefia.

Acusados praticariam extorsões a agricultores

O grupo também é suspeito de praticar extorsões a proprietários rurais.

- Ele procurava o proprietário rural e exigia determinada quantia em dinheiro para não causar danos na propriedade invadida - disse o delegado, afirmando que a investigação não confirmou se as famílias tinham conhecimento do esquema.

- Tudo indica que eram usadas como massa de manobra - acrescenta.

A Polícia Federal também acusa a organização criminosa de vender madeira extraída ilegalmente de área de preservação permanente.

Dois dos cinco inquéritos instaurados pela Polícia Federal para apurar as denúncias de desvio de verbas públicas viraram ações penais, que tramitam na Justiça Federal de Presidente Prudente. Os presos são investigados como incursos nos crimes de estelionato, peculato, apropriação indébita, extorsão e formação de quadrilha ou bando, além de crime ambiental.

Em nota, o MST informou que Rainha "não compõe nenhuma instância organizativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e, portanto, não está autorizado a falar e agir em nome dessa Organização". Desde 2007, ele está desligado da entidade.

COLABOROU Silvia Amorim

*Especial para O GLOBO