Título: STF reafirma defesa da liberdade
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Fonte: O Globo, 17/06/2011, Opinião, p. 6

A decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar manifestações públicas a favor da liberalização da maconha protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão reforça o papel da Corte na defesa de salvaguardas da Carta. E, tão importante quanto isto, sedimenta a coerência do Tribunal na resistência a qualquer ataque às prerrogativas dos difusores de notícias, formuladores de opinião, em qualquer meio, como em toda democracia avançada.

O veredicto dado por unanimidade por oito ministros - houve três ausências - à ação proposta pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, contra a criminalização do movimento pró-legalização da droga retoma a linha adotada pela Corte no julgamento histórico que revogou a Lei de Imprensa, entulho autoritário da ditadura mantido em vigor mesmo depois da constituinte redemocratizadora de 1987. Pode-se dizer que, hoje, passados pouco mais de oito anos em que um mesmo agrupamento político se encontra no poder, e dele fazem parte frações ideologicamente autoritárias, o estado de direito fortalece os anticorpos capazes de resistir a assaltos contra liberdades inerentes aos regimes republicanos.

Com isso, ajuda-se, também, a robustecer na sociedade uma cultura democrática, de tolerância na convivência entre contrários do ponto de vista político-ideológico, de respeito entre religiões, e assim por diante.

Um parêntesis: por tudo isso, a imagem da Corte se recupera, em parte, dos danos provocados pelo equívoco cometido no julgamento do caso Cesare Battisti, no qual foi cúmplice do atropelamento do tratado de extradição entre Brasil e Itália cometido pelo ex-presidente Lula, em função de afinidades ideológicas entre companheiros bem situados no seu governo e o terrorista italiano condenado por homicídio no seu país. Infelizmente, se a imagem do Supremo é em parte recuperada - embora fique a ideia de subjugação a Lula -, os estragos para o Brasil parecem irreversíveis, haja vista o risco de condenação na Corte de Haia.

Voltando às manifestações pró-maconha, a decisão do STF reforça a posição do Brasil como referência positiva num continente onde a tentação do autoritarismo avança em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina.

O relator do processo, ministro Celso de Mello, concordou com a argumentação de Deborah Duprat. Contra, por exemplo, a confusão entre a defesa pública da legalização da droga e a apologia ao crime. São coisas diversas. A ninguém pode ser proibido expor ideias.

Além disso, a garantia ao direito de se expressar a favor da maconha não isenta qualquer pessoa de ser punida por crimes cometidos sob efeito de drogas. Como acontece, em outro sentido, com o álcool: a legalidade da bebida não torna impune a pessoa alcoolizada. A decisão do STF tem, ainda, o saudável subproduto de incentivar o debate sobre a descriminalização do usuário de maconha em particular e de drogas em geral, sem prejuízo do combate ao tráfico.

Ao proteger o direito dos defensores da droga de se manifestar, depois de ter reconhecido a legalidade da união civil entre homossexuais, o Supremo se mantém sintonizado com as melhores bandeiras alçadas para dar bases jurídicas à modernização das relações sociais.