Título: As mulheres e a Presidência
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2009, Política, p. 6

Pela primeira vez, vamos para uma eleição presidencial onde uma mulher tem alta chance de ganhar.

Nas eleições presidenciais do ano que vem, pode acontecer uma coisa surpreendente: se os cenários de hoje se confirmarem, teremos, no time dos candidatos competitivos, uma larga maioria de mulheres. Falta muito tempo, várias mudanças ainda vão acontecer, mas o quadro é esse.

Pelo que parece, só o PSDB virá com um homem na cabeça de chapa. Dilma, pelo PT, Heloísa Helena, pelo Psol, e, agora, Marina Silva, pelo PV, completariam o elenco das candidaturas viáveis. Todas mulheres, todas alternativas a Serra ou Aécio. Supondo que Lula consiga mesmo tirar Ciro Gomes do páreo, elas seriam três contra um.

É uma grande transformação em um país onde faz pouco tempo que as mulheres começaram a vencer eleições majoritárias e a ocupar cargos de maior expressão no Executivo. As primeiras senadoras eleitas (Júnia Marise, por Minas Gerais, e Marluce Pinto, por Roraima, em 1990), a primeira governadora (Roseana Sarney, no Maranhão, em 1994), a primeira prefeita de capital (Maria Luíza Fontenele, de Fortaleza, em 1986), são políticas pós-ditadura, eleitas nas duas últimas décadas.

Nas disputas presidenciais modernas, tivemos mulheres candidatas em todas, salvo em 1994, quando Fernando Henrique venceu, e em 2002, na vitória de Lula. Apenas Heloísa Helena, na última eleição, no entanto, teve um papel destacado: recebeu mais de 6,5 milhões de votos e terminou em terceiro lugar. Suas antecessoras em 1989 (Lívia Maria, do PTN) e 1998 (Teresa Ruiz, também do PTN), assim como sua companheira de disputa em 2006 (Ana Maria Rangel, do PRP), mal chegaram a 0,25% do voto nacional.

A simples consideração desses números enfraquece a argumentação de que as candidaturas de mulheres teriam a vantagem de falar mais de perto às outras mulheres, que são a maior parte do eleitorado. É uma tese comum nos meios políticos, que justifica projetos para todo tipo de cargo. Poucos, no entanto, bem-sucedidos.

Quando Lula pensou em Dilma, essa consideração esteve em lugar importante. Consta que ele vê no gênero da ministra um potencial a ser aproveitado, por meio de uma campanha que faria uso de alguns estereótipos sobre as mulheres, em geral, e as mulheres na política, em particular. Em contraposição a seu adversário tucano, ela seria mostrada como se tivesse mais seriedade, mais cuidado com os mais carentes, mais ¿carinho¿ e ¿dedicação¿.

As pesquisas, de fato, indicam que é assim que, no abstrato, os eleitores comparam homens e mulheres na política. Nesse nível, elas sempre os suplantam.

A questão é que, quando chegamos à realidade, ou seja, às eleições, os atributos genéricos passam a não contar mais e sim os aspectos concretos da biografia e da personalidade daqueles que disputam o voto. Nessa hora, tanto faz que sejam homens ou mulheres. O relevante é o que são e o que podem ser para os eleitores.

Assim, já tivemos candidaturas femininas inteiramente inexpressivas e uma que alcançou porte significativo. Em nenhuma, o fato de serem candidatas mulheres teve peso relevante. Nem as pequenas, nem Heloísa Helena foram o que foram por isso. Dizer, por exemplo, que o gênero da senadora explica sua votação em 2006 não lhe faz justiça.

Suponhamos, contudo, que Lula esteja certo ao imaginar que Dilma teria alguma vantagem por ser mulher. E se ela concorrer junto com duas outras mulheres, ambas com densidade política e eleitoral? Heloísa Helena e Marina Silva não capitalizariam também o voto de quem pensa que as moças são melhores que os rapazes?

O fato é que, pela primeira vez, vamos para uma eleição presidencial onde uma mulher tem alta chance de ganhar. Havendo alcançado faz tempo os dois dígitos nas pesquisas, superando os 20% e indo rapidamente para os 30%, a candidatura de Dilma é um novo marco na história da participação feminina na política brasileira. Se não fosse por mais nada, isso basta para que seja considerada a expressão de um novo patamar que nossa sociedade atinge.