Título: Sempre cabe mais uma obra
Autor: Jungblut, Cristiane; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 18/06/2011, Economia, p. 25

Regime especial para Copa e Olimpíada permite inclusão quase infinita de empreendimentos

Brasília

Uma das principais brechas do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)é a possibilidade de ampliação quase infinita do número, do tamanho e do custo de obras sob as regras especiais de licitação. Além da influência da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI), que poderão pedir alterações nas obras independentemente da elevação do preço, dependerá da "conveniência do Poder Executivo", conforme ofício de fevereiro do Ministério do Esporte ao Tribunal de Contas da União (TCU), a inclusão de novas obras à Matriz de Responsabilidades - que lista as ações oficiais que visam à Copa e serão regidas pelo RDC, informa reportagem de Cristiane Jungblut e Geralda Doca.

Também contribui neste sentido o fato de que caberá à Autoridade Pública Olímpica (APO) definir a carteira de projetos das obras para os Jogos, o que ainda será feito, diz o texto-base aprovado quarta-feira. Também são permitidos aditivos aos projetos, se pedidos pelo governo ou por força maior, o que deixa em aberto o tamanho real e o custo das obras.

Preocupado com isso, o TCU já pediu explicações ao Ministério do Esporte sobre custo e abrangência da lista de obras a respeito de segurança pública, por exemplo, e até sobre valor de ingresso. Em decisão de quarta-feira, o Tribunal determinou à pasta o envio, até 30 de julho, da relação de intervenções que não são de infraestrutura (segurança, telecomunicações, entre sete itens). Decidiu ainda cobrar informações bimestrais sobre as ações.

Esporte não atendeu a exigências do TCU

Segundo a ata do TCU, obtida na sexta-feira pelo GLOBO, o órgão de controle entendeu que o Esporte "não atendeu às determinações, uma vez que não foram estabelecidos cronogramas com descrição das áreas a serem incluídas" na lista oficial de ações. "Também não foi fixado prazo certo para a assinatura da matriz completa."

Além disso, um destaque apresentado pelo PDT, ainda terá que ser derrubado pelo governo para que o alcance do RDC não se amplie ainda mais. Propõe retirar do texto a expressão que diz que o RDC será aplicado "exclusivamente" às obras da Copa e dos Jogos Olímpicos- estendendo o regime especial de licitação a qualquer obra.

Na prática, o RDC já foi ampliado na votação da última quarta-feira, quando foi aprovada emenda que inclui no RDC capitais de estado que ficam a até 350 km de cidades-sede dos eventos. A emenda, acatada sem resistências pelo relator José Guimarães (PT-CE), foi ideia do líder do PTB, Jovair Arantes (GO), que queria beneficiar Goiânia e Florianópolis.

DEM e PSDB alertam que o artigo 39, que dá amplos poderes a Fifa e COI, e as brechas permitindo aditivos elevam gastos e amplitude do RDC, que querem derrubar.

- Já ampliaram o leque das obras e não concordamos. Além disso, se a Fifa mandar, o governo terá que fazer. E não é verdade que não haverá aditivos, há exceções - criticou o vice-líder do DEM, deputado Pauderney Avelino (PI).

- Não podemos concordar com penduricalhos se somos contra o principal - acrescentou o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP).

Pressão política por empreendimentos

O ministro do Esporte, Orlando Silva, defendeu que o poder do COI e da Fifa de exigirem mudanças nos projetos, sem respeitar os limites de aditivo de preço impostos hoje, de 25%, no caso de construção, e de 50%, no caso de reforma, é uma situação já prevista na lei:

- A lei de licitação hoje diz que se houver mudança qualitativa no projeto, pode haver aditivos acima de 50%.

Ele destacou ainda que a contratação integrada limita o número de aditivos, pois permite que uma mesma empresa faça os projetos básico e executivo e realize a obra:

- Quem executa a obra é quem normalmente faz inúmeros pedidos de aditivos aos contratos.

Fontes do governo alegam que a indefinição no cronograma das obras de Copa e Olimpíadas se deve à pressão de governadores e prefeitos para incluir empreendimentos, principalmente rodovias e aeroportos que não estão diretamente ligados aos eventos, com objetivo de recursos garantidos e acesso aos benefícios do RDC.

- Está havendo um lobby grande de estados e prefeituras para incluir obras em rodovias e aeroportos na Matriz de Responsabilidades (protocolo de cooperação entre União, estados e municípios, destinado ao acompanhamento criterioso de cada obra)- disse um interlocutor do Planalto.

O governo definiu como prioridades estádios, aeroportos, portos e mobilidade urbana. Outros itens como segurança, saúde e telecomunicações, ainda estão pendentes.

- Tem pedido de estado de todo o jeito, uniformes, veículos. O céu é o limite. Estamos num processo de negociação difícil mas só vamos aceitar o que for útil para a Copa - garantiu a fonte.

Segundo este interlocutor, tudo o que for acordado constará da lista oficial e vai direto para o portal da transparência. Até porque, na avaliação do Planalto, se o governo federal pecar neste quesito, não terá como cobrar os demais entes.