Título: A morte oficial, 3 anos depois
Autor: Bottari, Elenilce; Leite, Renata
Fonte: O Globo, 18/06/2011, Rio, p. 18

Justiça finalmente declara óbito de engenheira que desapareceu na Barra em 2008

A ENGENHEIRA Patrícia Amieiro Branco de Franco (ao lado) e o cartaz convocando para a manifestação que acontecerá hoje na Barra (acima): quatro PMs são acusados de ter assassinado a jovem e ocultado seu cadáver em 2008

Três anos após o desaparecimento de Patrícia Amieiro Branco de Franco, a Justiça do Rio declarou ontem a morte presumida da engenheira, que sumiu em junho de 2008, quando seu carro foi encontrado com marcas de tiros dentro do Canal de Marapendi, na Barra da Tijuca. O pedido foi feito há dois anos pelo pai da vítima, Antônio Celso de Franco, e concedido pela juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, da 6ª Vara Cível da Barra. Para a magistrada, as declarações nos autos não deixam dúvida de que Patrícia tinha vínculos muito estreitos com seus parentes e amigos ¿ portanto, não sumiria sem dar notícia. Além disso, a juíza concluiu que, pelo estado do carro e pelo lugar onde ele foi encontrado, a jovem, de 24 anos, não poderia ter saído viva do veículo. A denúncia do Ministério Público diz que há marcas de tiros no automóvel.

¿Por todo o exposto, a única dúvida que permanece com relação a esta tragédia é saber onde se encontra o corpo de Patrícia, visto que o óbito é indiscutível. Caberá à Justiça criminal, sendo tal possível, localizar o corpo de delito¿, disse a juíza na sentença.

Protesto na Barra hoje lembrará caso

Ao tomar conhecimento da decisão da juíza, Antônio Celso de Franco afirmou que agora poderá pelo menos resolver as questões cíveis da filha.

¿ Até mesmo coisas simples haviam se tornado inviáveis, como receber o seguro do carro, que sofreu perda total, resolver o que fazer com a conta bancária dela, ver seus direitos trabalhistas e o seguro de vida. Cada pequena conquista conta muito. Quem sabe agora, com a morte oficial, o pronunciamento dos réus pela Justiça possa finalmente acontecer? ¿ disse o pai da engenheira.

Ele hoje participa de uma manifestação, ao meio-dia, lembrando os três anos do desaparecimento da filha. O local escolhido fica na saída do Túnel do Joá, onde foi encontrado o carro de Patrícia.

Segundo a denúncia do MP, no processo criminal que corre no 1º Tribunal do Júri da Capital, a engenheira retornava para casa na madrugada do dia 14 de junho de 2008, quando teve seu carro atingido por tiros, perdendo o controle do veículo, que mergulhou no canal na entrada da Barra da Tijuca. Seu corpo nunca foi encontrado. Um laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), assinado por dez peritos, afirma que o veículo foi atingido por três projéteis.

Os policiais militares Marcos Paulo Nogueira Maranhão, Willian Luís do Nascimento (que estavam de plantão no local onde o carro foi encontrado), Fábio da Silveira Santana e Márcio Oliveira dos Santos (que teriam sido chamados pelos colegas para ajudar a ocultar o crime) são acusados da morte da jovem, além de dar sumiço no corpo. Eles foram presos em junho de 2009, mas conseguiram a liberdade 80 dias depois, por decisão do juiz Fábio Uchôa, do 1º Tribunal do Júri da Capital.

Desde então, surgiu uma nova versão: o flanelinha Thiago Affonso Ferreira afirmou que estava num ponto de ônibus na Rocinha, no dia do desaparecimento de Patrícia, quando viu o carro da engenheira ser abordado por dois criminosos. Thiago contou que reconheceu Patrícia, pois ela, assim como ele, frequentava a Praia do Pepê, na Barra da Tijuca. O flanelinha foi encontrado por policiais militares às vésperas do início das audiências na Justiça. Seu depoimento daria uma reviravolta no caso, se não fosse considerado suspeito.

Na Justiça, a ação ainda está na fase de produção de provas. Ao final, o juiz Fábio Uchôa deverá ouvir as partes para decidir se há materialidade (ou seja, se de fato a jovem foi assassinada) e se há indícios suficientes para que os réus sejam levados a júri popular por homicídio.

A promotora Viviane Tavares Henriques informou ontem que a declaração de morte presumida não interfere na ação penal. Ela ressaltou que já existem elementos suficientes para processar os PMs por homicídio.

Em maio do ano passado, os quatro PMs foram inocentados no inquérito policial-militar aberto pela corregedoria da corporação, para apurar o envolvimento do grupo em ameaças aos peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli que atuaram no caso. De acordo com o corregedor da Polícia Militar, coronel Ronaldo Menezes, não foram encontradas provas da participação dos policiais nas ameaças.

Parentes de passageiros do voo 447 da Air France, que caiu no mar em junho de 2009 matando 228 pessoas, também buscam o reconhecimento da morte das vítimas na Justiça, para poder acionar seguros e resolver outras questões cíveis. Somente há dois meses, Nelson Marinho obteve a declaração da morte presumida do filho, que estava no avião. De acordo com Marinho, que preside a Associação das Famílias do Voo 447 da Air France, há outras pessoas que ainda não obtiveram a decisão judicial. Ele criticou a morosidade da Justiça mesmo em casos como o da queda do avião, em que a morte é considerada certa.

¿ Infelizmente, a nossa legislação é muito complicada. É tudo muito burocrático, a ponto de dependermos de um advogado para fazer o pedido. A questão é que, sem a declaração de morte, não podemos fazer nada. Só agora, dois anos depois do acidente, poderei começar a resolver pendências referentes ao meu filho ¿ disse.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio, 118 ações de morte presumida foram julgadas procedentes nos últimos três anos e ainda existem 216 processos em andamento.