Título: Combinação de resultados
Autor: Herdy, Thiago; Rizzo, Alan
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2009, Brasil, p. 8

Servidores de hospitais paulistas favorecem, em licitações, integrantes de quadrilha de importação de produtos médicos

São Paulo ¿ A participação de funcionários públicos paulistas em fraudes para aquisição de produtos de má qualidade por hospitais revela uma das faces mais cruéis da falsificação de medicamentos e equipamentos médicos. Escutas telefônicas realizadas com autorização da Justiça e obtidas pelo Correio/Estado de Minas mostram funcionários públicos usando ferramentas de controle para manipular licitações. Os servidores favoreceram criminosos que despejam nas unidades de saúde itens fabricados em países como China e Índia, sem qualidade, colocando em risco a saúde de pacientes.

A Máfia dos Parasitas veio à tona na segunda metade do ano passado, época em que o governador José Serra (PSDB-SP) chegou a elogiar a investigação do Ministério Público (MP), em parceria com a Polícia Civil, dizendo que ¿o trabalho foi iniciativa do próprio governo¿. No entanto, o governo estadual sequer afastou os funcionários públicos envolvidos nas fraudes, apenas os transferiu para outras unidades de saúde, conforme apurou ontem o Correio.

De acordo com o MP, os produtos foram vendidos entre 2004 e 2008 por um grupo de cinco empresas que agiam de forma combinada em pelo menos três hospitais: dois estaduais ¿Ipiranga e Pérola Byington ¿ e um municipal ¿ Cármino Caricchio, o Tatuapé. ¿Os governos pagavam por insumos médicos de boa qualidade, mas recebiam produtos inferiores e de procedência duvidosa¿, diz o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro. Entre os itens estão seringas descartáveis, sondas, soluções para diálise, bisturis descartáveis e até mesmo cateteres.

As empresas Home Care Medical, Healthserv, Velox, Biodinâmica e VidasMed também são acusadas de superfaturar itens e nem mesmo entregá-los. O prejuízo é de R$ 80 milhões. Quando a operação foi desencadeada, o governo informou que as licitações fraudulentas tinham sido acompanhadas, por isso os itens foram recolhidos. Mas, dois meses depois, o MP revelou que a quadrilha agia desde 2004, antes da investigação. A descoberta impediu a identificação de vítimas. O processo corre em segredo de Justiça. As cinco empresas negam as denúncias.

Interceptação telefônica realizada em abril do ano passado mostra a representante comercial da Vidas Med Representações Vanessa Favero combinando com a diretora técnica da divisão de enfermagem do Hospital Pérola Byington, Márcia Maneghello, o resultado da licitação de equipos ¿ mangueira usada para passagem de soro. O MP acredita que sua tarefa era desqualificar os concorrentes. Outro funcionário público estadual, João de Oliveira Filho, foi acusado de trabalhar a favor da quadrilha no mesmo hospital. A mesma denúncia pesou sobre Ziran Maria de Melo Moreira, chefe do setor de compras do Hospital Ipiranga, e Milva Lúcia de Melo, diretora de farmácia do Hospital Municipal de Tatuapé.

Márcia foi transferida para outra unidade de saúde estadual. Ziran foi para o Hospital Geral de Guaianases. A Secretaria de Saúde informou que aguarda o fim dos processos administrativos para decidir pela exoneração dos profissionais.

Contradição A assessoria de imprensa do estado de São Paulo informou que Márcia, Ziran e João foram afastados, até que o processo seja encerrado. Os três negam os crimes. O mesmo informou a prefeitura de São Paulo sobre Milva Lúcia, que pediu demissão na época. Segundo o processo, Vanessa Favero dividia com Carlos Alberto do Amaral, o Papito, a função de cooptar funcionários de hospitais para interferirem nas licitações. A diferença entre os produtos oficialmente vendidos e os entregues ¿ de segunda linha ¿ gerava lucros remetidos ao exterior, por meio de empresas off-shores. De acordo como MP, os criminosos ¿lavavam¿ o dinheiro comprando carros de luxo ¿ Porshe, BMW, Mercedes Benz e Audi ¿, além de um helicóptero e três barcos.

Conversas criminosas

Transcrição das escutas telefônicas obtidas com autorização judicial mostra como os integrantes de grupo que fraudava processo de licitação negociavam esquema:

29 de abril de 2008

Márcia Maneghello, diretora técnica da divisão de enfermagem do Hospital Pérola Byington, conversa com Vanessa Favero, representante comercial da quadrilha, sobre a forma de desqualificar outras empresas a partir de critérios de controle de qualidade dos equipamentos:

Márcia: Alô!

Vanessa: Oiê!

Márcia: Oi, meu amor. Tudo bom?

Vanessa: Tudo bom! E você, meu amor?

Márcia: Tudo bem, tudo bem, tudo caminhando.

Vanessa: Querida, é hoje o nosso pregão de equipos.

Márcia: Daqui um pouquinho, né?

Vanessa: Você que vai?

Márcia: Eu que vou, eu que vou.

Vanessa: Ah, então tá bom. Eu já deixei o pessoal lá do escritório avisado, que se ganhar aquelas tranqueira que a gente já conhece, eles vão entrar com recurso pedindo pra solicitar amostra.

Márcia: Tá bom.

Vanessa: Que assim dá uma ajudada, né?

Márcia: Tá bom.

Vanessa: Tipo assim, dividir e tal. Que aí dá pra gente analisar aquela questão do filtro.

Márcia: Isso mesmo, isso mesmo.

Vanessa: Então eles já tão tudo avisado que quem entrar, eles vão entrar com um recursinho. Tá bom?

Márcia: Tá bom então.

A fraude dos produtos no interior Drogaservice, em Visconde do Rio Branco (MG): negócio rentável

Visconde do Rio Branco (MG) ¿ ¿Fatores éticos relacionados com a intercambialidade (a troca) de medicamentos em receituários médicos.¿ O título do trabalho de fim de curso do farmacêutico Humberto Tacitti da Silva, de 34 anos, encerrado no ano passado, parece brincadeira de mau gosto quando confrontado com o que fez poucos meses depois. O rapaz foi preso em flagrante pela Polícia Federal (PF), acusado de vender medicamentos proibidos no Brasil e entregar à Prefeitura de Ribeirão Preto, em São Paulo, 96 comprimidos de Viagra falsificados.

Os policiais foram até Visconde de Rio Branco, cidade de 32,5 mil habitantes, na Zona da Mata mineira, em busca da Drogaria Nascimento & Silva Ltda., vencedora da licitação. A prefeitura foi obrigada pela Justiça a fornecer Viagra a uma outra vítima de hipertensão pulmonar. A administração abriu, então, concorrência pelo portal CidadeCompras.

A Nascimento & Silva ofereceu o menor preço pela caixa com quatro comprimidos, R$ 68, valor 46,7% menor que o preço de tabela. Farmacêuticos desconfiaram da remessa enviada no início do ano. Os comprimidos tinham cores diferentes dos em estoque. ¿Estava claro que havia algum problema¿, contou a farmacêutica paulista Giuliene Trajano. A Vigilância Sanitária local comprovou que quase metade dos 272 comprimidos fornecidos eram de mentira.

A drogaria responsável pela fraude traz na fachada o nome Drogaservice. O dono, Ayrton Tacitti da Silva, de 70 anos, divide a administração com os filhos Humberto e Liliane Silva, de 44. A Anvisa determinou a interdição do estabelecimento porque lá foram encontrados 200 comprimidos de remédios proibidos no Brasil. Havia também outras 200 pílulas de medicamentos controlados, irregularmente expostos à venda.

Mas, o flagrante teve efeito nulo. Em dois dias, obtiveram na Justiça autorização para reabrir a drogaria. Em três, Humberto foi solto e voltou a trabalhar. Admitiu ter começado a participar de pregões há pouco tempo, mas se recusou a falar sobre o caso. O pai de Humberto, Ayrton Tacitti, é o responsável legal pela empresa. Um homem de boa reputação, que começou com uma pequena farmácia e cresceu em pouco tempo.

Hoje, a farmácia ocupa um dos principais espaços do centro da cidade. A atividade foi tão próspera que o patriarca construiu até um prédio. Procurado, disse que também não daria entrevista. Aos comerciantes vizinhos, disse ter tido problemas com notas fiscais. Os advogados da família aguardam a conclusão do inquérito da PF para se pronunciar. (TH)

Leia amanhã: As relações perigosas entre o roubo de cargas e o tráfico de remédios