Título: Fiscalização mais rigorosa
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2009, Economia, p. 12

SPC amplia de 60 para 80 o número de fundações que terão as contas vasculhadas ao longo deste ano

Passamos muito bem pelo estresse da crise. Tínhamos gordura para queimar José de Souza Mendonça , presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar ( Abrapp)

A Secretaria de Previdência Complementar (SPC), órgão que regula e fiscaliza os fundos de pensão, decidiu botar o pé no acelerador. De olho na capacidade das fundações ¿ donas de um patrimônio próximo de R$ 470 bilhões, o correspondente a 17% do Produto Interno Bruto(PIB) do país ¿ de sobreviverem em um cenário de juros em queda e risco maior nas aplicações em bolsa de valores, a autarquia ampliou em 33% o número de entidades que passarão pelo seu crivo neste ano. Segundo o xerife da SPC, Ricardo Pena, 80 fundos (com 120 planos de aposentadoria) terão as contas vasculhadas. A ordem é identificar qualquer indício que possa colocar o sistema em risco.

Tamanha atenção é justificável. Por ano, apenas com a contribuição de suas patrocinadores e dos participantes, as fundações engordam o patrimônio em mais de R$ 26 bilhões. Ao mesmo tempo, pagam quase R$ 33 bilhões em complemento para aposentadorias, garantindo o bem-estar de mais de 700 mil famílias e irrigando a economia. ¿Não há como descuidar. O dinheiro que está nos fundos é do trabalhador. Não podemos deixar que haja quebras no sistema¿, afirmou. Num passado recente, infelizmente, foi justamente a leniência da SPC que levou muita gente a ver sua poupança virar pó.

O cerco maior da SPC não incomoda José de Souza Mendonça, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar ( Abrapp), órgão que representa o setor. ¿Passamos muito bem pelo estresse da crise. Tínhamos gordura para queimar¿, disse. Depois de amargarem fortes perdas no fim de 2008 ¿ o pior momento em 13 anos ¿, os fundos recuperaram boa parte do patrimônio. No momento mais agudo, em outubro passado, o total de ativos caiu para R$ 438,7 bilhões. Em abril, o patrimônio havia retornado para R$ 469.4 bilhões. ¿Com a bolsa de valores voltando a subir, logo estaremos com as perdas zeradas¿, garantiu.

Regras flexíveis Apesar da confiança, a cautela é grande. Ao longo dos últimos anos, as fundações se refestelaram com juros altíssimos e a brusca arrancada de preços da blue chips, as ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A taxa básica de juros (Selic), que corrige quase 60% das carteiras de investimentos dos fundos, está no menor nível da história: 8,75% ao ano, e ainda pode cair. ¿Portanto, as fundações terão que buscar novas alternativas para manter o patrimônio de seus associados. Essas alternativas passam por maior aplicações no mercado de imóveis e pelo financiamento de obras de infraestrutura¿, destacou Ricardo Pena. ¿Mas, ao seguir nesse caminho mais arriscado, a gestão dos fundos terá de ser mais consistente e profissional¿, emendou.

Para facilitar a caminhada nessa nova realidade, a SPC encaminhou ao Conselho Monetário Nacional (CMN) uma série de propostas com o objetivo de dar maior liberdade de aplicação às fundações. O presidente da Abrapp agradece. Apesar de elogiar as regras atuais de investimentos, ele assinalou que os fundos precisam de maior liberdade para agir. ¿Queremos ampliar o percentual de aplicação em renda variável (ações, principalmente), de 50%, e de imóveis, 8%¿, frisou. ¿Não vemos perigo nessa abertura. Não somos especuladores. Nossos investimentos são de longo prazo. A maioria dos fundos está com reservas mais do que suficientes para cumprir suas obrigações.¿

O titular da SPC afirmou que, no caso dos imóveis, não é preciso mudar o limite de aplicação, porque hoje os fundos comprometem apenas 2% do patrimônio com tais investimentos. No caso da renda variável, a ideia é ampliar os limites de aplicação para até 70%, fazendo, ao mesmo tempo, um rearranjo nos ativos que entram nessa carteira. A meta é dar maior transparência aos investimentos em infraestrutura, responsáveis por apenas 1% dos ativos das fundações.

Os R$ 470 bilhões em patrimônio estão divididos entres 380 fundos de pensão. O maior dele é a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. Sozinha, detém ativos de R$ 125 bilhões, seguida pela Petros, dos empregados da Petrobras e da Funcef, da Caixa Econômica Federal. Os fundos de pensão das estatais são grandes e poderosos porque, no passado, as empresas patrocinadoras investiram muito na sua formação, contribuindo bem mais que os funcionários. Justamente por esse poder econômico, essas três fundações são alvos de grande cobiça dos políticos. A despeito da montanha de dinheiro na qual estão sentadas, as fundações estatais representam 15% do total de fundos. A maioria está vinculada a empresas privadas.

Evolução dos ativos

(Em R$ bilhões) Depois das fortes perdas no auge da crise, fundos estão recompondo a musculatura Maio/08 481,8 Jun/08 472,2 Jul/08 465,5 Ago/08 461,8 Set/08 454,6 Out/08 438,7 Nov/08 439,9 Dez/08 444,8 Jan/09 450,0 Fev/09 451,1 Mar/09 458,2 Abr/09 469,4

O 10 MAIORES DO MUNDO Juntas, as fundações brasileiras têm o oitavo maior patrimônio do mundo Estados Unidos Reino Unido Japão Holanda Canadá Suíça Austrália Brasil Finlândia França

Fonte: Abrapp e OCDE

Entrevista - RICARDO PENA ¿Previc é essencial para o país¿

Para o secretário de Previdência Complementar, há clamor por um órgão que não altere políticas só porque o governo mudou

Com a segurança do patrimônio dos fundos de pensão entrando em uma seara desconhecida e de risco maior, o titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Ricardo Pena, alerta que a autarquia está no limite e se nada for feito para reforçar sua estrutura rapidamente, a situação vai piorar. Ou seja, dificilmente os 34 funcionários que hoje compõem o quadro próprio da SPC, terão condições de manter a casa em ordem. A missão de formular, regular e fiscalizar 380 fundações e mil planos aposentadoria complementar ficará comprometida. Por isso, defendeu, é importante que o Senado, mesmo mergulhado em uma grave crise política, dê sua resposta à sociedade e aprove, ainda neste ano, o projeto de lei que cria a Previc, uma autarquia com poderes ampliados para controlar os fundos. Em 2007, proposta nesse sentindo acabou indo pelo ralo por falta de votação de uma medida provisória. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Pena ao Correio Braziliense. (VC)

Qual a importância da Previc? O Brasil hoje tem o oitavo sistema de previdência complementar fechado do mundo, mas é o único que não tem um órgão de supervisão. Para se ter uma ideia dessa deficiência, nosso orçamento anual é de apenas R$ 1 milhão. Contamos com apenas 34 servidores próprios. Os demais são emprestados, eu inclusive. Fiscalizamos 17% do Produto Interno Bruto, ou seja, R$ 470 bilhões. Há um clamor pela profissionalização, pela criação de uma estrutura, que já vem se arrastando há alguns anos e o setor precisa de um órgão estável, que não mude de políticas só porque o governo mudou.

A Previc conseguirá evitar a quebra de fundos de pensão? Fundo de pensão pode quebrar. Fundo de pensão é vinculado a uma empresa. Se a empresa vai mal, o fundo acompanha. Vimos isso recentemente nos Estados Unidos. Por isso, o órgão de fiscalização tem que ser diligente. Tem que procurar antecipar essas situações, até para preservar o direito daqueles que já estão lá. No fundo de pensão você tem duas situações distintas: uma do participante assistido, que está recebendo benefícios, outra do participante ativo, que está contribuindo. Quando você decreta uma liquidação, a preferência é do participante assistido. Ele já contribuiu e está recebendo. Não quero recriminar meus antecessores, mas até devido à pouca estrutura da secretaria, não se teve uma postura mais enérgica naquele momento. Não que essa postura fosse evitar as quebras que ocorreram. Fundo de pensão não tem mágica. O dinheiro não brota. É preciso um esforço contributivo mensal das empresas e do participantes.

O senhor acha que a Previc sai este ano? Acho que sim, até porque, para cobrar a taxa que a sustentará (paga pelos fundos de pensão), temos de respeitar o princípio da anualidade. Então, a Previc tem de ser criada este ano para funcionar em 2010.

Como o senhor viu a situação dos fundos no ano passado, com perdas consideráveis na bolsa? Os fundos passaram bem pelo teste da crise atual. Nos países da OCDE (grupo que reúne as economias mais ricas do mundo), eles perderam 23% do patrimônio em 2008, o correspondente a US$ 5 trilhões. No Brasil tivemos uma perda de 1%, apesar da bolsa ter caído mais de 40%. Nos últimos seis anos, as entidades se beneficiaram de uma política macroeconômica favorável. O órgão supervisor tem que olhar com uma perspectiva superior a 36 meses.

Como o senhor vê o horizonte para os próximos anos? Com a crise, o Brasil está passando por uma mudança forte. Vem aí um novo limiar, inflação sob controle e juros mais baixos. Os fundos nunca vivenciaram isso . Vão ter que mudar a política de investimento. Vão ter que deixar o conforto do título público e investir em papéis novos, do setor privado e imóveis. Por isso, estamos propondo uma mudança nas regras de investimentos das fundações.

Nesse novo cenário, cresce a importância da Previc ? Claro. Você vai ter uma continuidade da política, seja qual for o governo. Quando você muda, você está imputando um custo. A Previc terá o papel de oferecer estabilidade de regra, de comportamento dos seus dirigentes, como é o Banco Central, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). E a nova autarquia será constituída sem custo para a sociedade. O dinheiro virá de uma taxa, paga pelas próprias entidades (R$ 33 milhões por ano).