Título: Recrutamento é feito até em aldeias indígenas
Autor: Rodrigues,Lino
Fonte: O Globo, 19/06/2011, Economia, p. 28

Cacique alerta para riscos à cultura do povo kaingang

PLANALTO (RS). Como alguns trabalhadores estão sendo recrutados em reservas indígenas, os primeiros dias de trabalho são doloridos devido à pouca prática no corte das aves. É comum ficarem com o corpo e os braços doendo por vários dias. Foi o caso da índia kaingang Dilvane Mineiro, que está trabalhando na fábrica da Sadia em Chapecó há pouco mais de três meses.

- Na primeira semana, não conseguia mexer um dos braços - contou Dilvane, que mora na Reserva Indígena de Pinhalzinho, no município de Planalto, no Rio Grande do Sul, a 150 quilômetros de Chapecó.

Mãe de uma menina de dois anos, Dilvane foi convidada pela cunhada que também trabalha em Chapecó. Aprovada nos testes da Sadia, a índia foi escalada para trabalhar na separação de frangos e perus. Para trabalhar, gasta todos os dias três horas e meia na viagem de ida e volta. A jornada começa às 3 horas da madrugada e acaba às 17h, quando chega na pequena casa em que mora a família.

- Estou trabalhando para realizar um sonho do meu marido que é reformar a nossa casa - disse ela, que ganha líquido por mês pouco mais de R$600.

Sadia não vê problema em contratar índios

O recrutamento dos índios kaingangs e guaranis, que vivem na mesma área da reserva (são cerca de 3.500 índios), pelos frigoríficos de Chapecó e região é motivo de preocupação para o cacique da aldeia, José Orestes Nascimento. Segundo ele, as empresas já "levaram" mais de 60 índios que viram no emprego um meio de sobrevivência e até de uma aposentadoria.

- Não é fácil viver só da lavoura. A gente está preocupado com o que está acontecendo (o recrutamento). É uma forma de extinção da cultura do povo kaingang - lamenta o cacique, que é pai de três filhas que estudam em Chapecó e em outras cidades distantes da reserva. - Elas ficam aqui só nas férias. Não têm como trabalhar aqui na aldeia.

Procurada, a Sadia disse, por meio de sua assessoria, que não vê problema em contratar índios, já que não consegue mão de obra na cidade de Chapecó. Com relação ao acordo com o sindicato dos trabalhadores para reduzir o ritmo da produção, informou que ele foi homologado pela Justiça e é fruto de consenso e será "integralmente cumprido pela companhia". Salientou ainda que o "documento é de conhecimento público e o cumprimento do mesmo está sendo devidamente fiscalizado". Sobre a questão dos baixos salários que dificultariam a contração de empregados que moram próximos à fábrica, disse que se "reserva ao direito de não comentar outras ilações a respeito de sua relação com os trabalhadores da região". (Lino Rodrigues, enviado especial)