Título: Unidos na ação
Autor: Azeredo, Beatriz
Fonte: O Globo, 21/06/2011, Opinião, p. 7

O câncer infanto-juvenil é um grave problema de saúde pública: é a principal causa de mortalidade em crianças e adolescentes brasileiros até 18 anos, e não mais as doenças infecciosas e respiratórias. E é uma doença rara em comparação ao câncer em adultos - cerca de 2,5% de todos os tumores malignos - apresentando sintomas que o confundem com outras doenças, o que dificulta o diagnóstico precoce.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer, no biênio 2010-2011 deverão ocorrer 9.386 novos casos por ano. Infelizmente, muitos pacientes chegam ao centro de tratamento com a doença em estágio avançado, impedindo a cura, que pode chegar a 80% dos casos. Diagnóstico precoce e tratamento em centros especializados são fundamentais para a cura com menos intervenção terapêutica e maior qualidade de vida. É uma corrida contra o tempo e o sistema de saúde deve estar bem articulado para garantir essas condições.

A boa notícia é que o Rio de Janeiro tem hoje o Unidos pela Cura, que promove o diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil. O Instituto Desiderata tomou essa iniciativa em 2003 e ganhou rapidamente a adesão dos gestores públicos, em especial da Secretaria municipal de Saúde, dos hospitais públicos e de outras organizações da sociedade civil. São oito anos de negociação, articulação, criação de relações de confiança e aprendizagem de uma nova forma de trabalho, baseada na construção coletiva e na integração entre atores públicos e privados e hospitais municipais, estaduais e federais.

Sintonizada com os princípios do SUS, essa política inova por sua simplicidade, ao articular capacitação de profissionais para suspeitar sobre a doença, com um fluxo claro de acolhimento e encaminhamento das crianças e adolescentes e monitoramento para acompanhar os casos e identificar gargalos na rede pública. Antes, crianças e jovens em tratamento de câncer tardavam em média 60 dias para chegar a um centro especializado; hoje o Unidos pela Cura tem o compromisso de acolhimento das suspeitas em até 72 horas nos hospitais polos de investigação.

São pilares desse processo: a resposta entusiástica de pediatras e profissionais da atenção básica; a adesão dos gestores públicos; a participação dos profissionais dos hospitais pediátricos e centros de tratamento; e a colaboração de organizações da sociedade civil.

O Rio de Janeiro conta hoje com ampla rede voltada para o câncer infanto-juvenil, base de uma política pública incluída no Plano Municipal de Saúde e que é objeto de um Termo de Compromisso com o Ministério da Saúde e todas as instituições corresponsáveis, públicas e privadas.

O Unidos pela Cura também ampliou sua atuação, incorporando a humanização do tratamento, com o Aquário Carioca e a Hospedaria Juvenil, investimentos nas salas de quimioterapia e em enfermarias para jovens. Essa iniciativa do Desiderata, com parceria de Gringo Cardia e de investidores privados, oferece espaços acolhedores e lúdicos para crianças, adolescentes, familiares e profissionais de saúde, e já está implantada em quatro hospitais públicos: Lagoa, Servidores, IPPMG (Fundão) e Hemorio.

De outubro de 2008 a abril deste ano, a capacitação para a suspeição precoce envolveu 689 profissionais de saúde; 488 crianças e adolescentes foram encaminhadas com cartão de acolhimento do Unidos pela Cura, das quais 210 tiveram confirmada a doença. Esses resultados vão dando visibilidade a enormes desafios de qualificação e fortalecimento da rede pública especializada. Dificuldades de acesso a exames de imagem, déficit de profissionais nos centros de tratamento e ausência de informações atualizadas sobre os serviços públicos de tratamento são os principais problemas. São questões estruturais a serem resolvidas com urgência para suprimir os gargalos na rede pública. Promover o diagnóstico precoce e garantir o tratamento em centros especializados são fundamentais para alcançar a cura do câncer infantojuvenil com qualidade de vida.

BEATRIZ AZEREDO é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e dretora do Instituto Desiderata.