Título: FMI segue normas de um mundo antigo
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Fonte: O Globo, 21/06/2011, Opinião, p. 6

O rito de escolha do novo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, a ser anunciado no dia 30 de junho, transcorre dentro do surrado figurino de um antigo clube fechado de elite. A não ser pela forma rocambolesca e picante com que Dominique Strauss-Kahn antecipou o fim do mandato à frente do FMI, a escolha, tradicionalmente acertada entre americanos e europeus, não deverá reservar surpresas.

Como reza a regra de repartição do poder nos grandes organismos multilaterais, cabe à Europa conduzir o Fundo Monetário, e aos Estados Unidos administrarem o Banco Mundial (Bird). Assim, entre a francesa Christine Lagarde, ministra das Finanças da França, e o mexicano Agustín Carstens, presidente do Banco Central do seu país, não há grandes dúvidas sobre a vitória da ministra nesta disputa, embora seja ela advogada e não economista, como Carstens. Pelo menos do ponto de vista da formação profissional, ele é o mais indicado para o cargo. Mas este não parece ser quesito decisivo na escolha. E dessa forma perde-se grande oportunidade de oxigenar a sistemática de decisão no Fundo, de torná-lo mais representativo. Na verdade, o balanço de poder no FMI há tempos já não reflete a realidade da economia mundial, em que países emergentes como o Brasil têm um peso acima da proporção de cotas que detêm no Fundo.

Esta é uma luta antiga. Em 2008, numa reforma na distribuição dessas cotas, o Brasil e demais emergentes tiveram ampliado o seu espaço na instituição. O aumento do peso relativo do Brasil só não foi maior que o da China, da Coreia do Sul e da Índia. Mesmo assim, a posição do país passou apenas do 18º lugar para o 15º, aquém do tamanho da sua economia, situada entre as dez maiores do mundo.

Brasil, Rússia, China e Índia, o Bric, detêm, somados, 10% das cotas do Fundo. Os Estados Unidos, isoladamente, 17,1%. Há, como se vê, muito a deliberar no FMI para corrigir distorções. Não faz sentido, por exemplo, o Brasil ter menos peso que países europeus de PIB menor.

A situação é paradoxal, pois o Brasil, de eterno devedor mundial, tornou-se credor, inclusive junto ao FMI, no qual aportou US$10 bilhões para ajudar no resgate de economias menos desenvolvidas atingidas pela crise deflagrada em 2008 a partir de Wall Street.

A indicação do novo diretor-gerente do Fundo coincide com o agravamento da crise de dívidas soberanas de países europeus, Grécia à frente. No primeiro momento, a União Europeia resistiu a recorrer ao Fundo, na tentativa de dar uma demonstração de solidez e capacidade de contornar a crise sem ajuda externa. Não conseguiu, e foi inevitável a participação do FMI nas operações de resgate dentro do bloco.

Strauss-Kahn terminou elogiado pela atuação política em conciliar interesses divergentes dentro da UE, para viabilizar os empréstimos de ajuda. Mas não deixa de existir algum conflito de interesses em haver um europeu na direção geral da entidade quando países do continente tendem a ser os maiores clientes da UTI financeira do Fundo. Usar regras de um mundo que não mais existe gera situações como esta.