Título: Falta estrutura para integrar deficientes à rede de ensino
Autor: Amorim, Silvia; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 27/06/2011, O País, p. 4

Pais e professores apontam entraves para plano do MEC de dupla matrícula

SÃO PAULO e RIO. Para promover a inclusão escolar, o Ministério da Educação (MEC) decidiu que vai "induzir por meio de apoio técnico e financeiro a dupla matrícula" para crianças que tenham algum tipo de deficiência. Na prática, a ideia é fazer com que crianças e adolescentes especiais sejam estimulados, desde a educação básica até o ensino médio, a frequentar uma escola regular e tenham aulas de apoio - o chamado contraturno - em escolas especializadas ou em salas multifuncionais.

- O MEC quer garantir o acesso à escola e promover a dupla matrícula. Mas a função do ministério é indutiva, o MEC não tem mecanismo de coerção. A ideia é oferecer oportunidades a mais, para que a criança tenha atendimento integral - diz Fernando Haddad, ministro da Educação, lembrando que um terço das crianças que hoje não estão na escola são deficientes.

No Rio, onde funcionam os institutos Benjamin Constant (IBC) e Nacional de Educação para Surdos (Ines), que reúnem pouco menos de mil alunos, a proposta é que os estudantes possam ter aulas no Colégio Pedro II, que também é federal.

- Primeiro, a direção do MEC declarou que a escolarização no IBC e no Ines seria finalizada este ano. Nós nos mobilizamos e o ministro Haddad decidiu que as coisas ficariam como estão - conta Maria da Glória de Souza Almeida, chefe de gabinete da direção-geral do IBC. - Claro que nós apoiamos a inclusão. A escola regular tem que existir, mas é preciso lutar por uma educação de qualidade. Numa escola regular, sem saber braile, o professor não alfabetiza.

Pais de crianças matriculadas nos institutos também veem com reservas a oferta do MEC. Cássia Maria Reis, de 36 anos, é mãe de Gabriel, de 8 anos. Deficiente auditivo, o menino estudou três anos numa escola municipal, mas, segundo ela, não avançou:

- Ele ia às aulas, mas não aprendia português nem libras (linguagem brasileira de sinais). Eu não sou contrária à inclusão, mas não basta oferecer a matrícula. Meu filho veio para o Ines no começo deste ano e aprendeu que ele é o Gabriel, passou a se comunicar comigo e com os irmãos e fez amigos. Na escola regular, ele era só o mudinho.

Professora do Pedro II, Eulália do Carmo Ferreira dá aulas para o ensino médio e conta que crianças deficientes já fazem parte do dia a dia da escola:

- Deficientes visuais estudam no Pedro II e a inserção social é fácil e extremamente positiva. Mas os professores não têm formação acadêmica para lidar com esses alunos. E boa vontade não basta. Sem material, sem formação, como trabalhar?

- Se a inclusão vai ser universalizada, toda escola precisa estar preparada para lidar com as crianças, desde a gestão, passando pelas cozinheiras e faxineiras e pelos professores. Inclusão é permitir que ele circule por todo ambiente - diz Roberta Dutra, que dá aulas para os primeiros anos do ensino fundamental há 16 anos e tem três alunos deficientes.

Em São Paulo, programa municipal atende 15,5 mil

Permitir que os alunos circulem por todos os lugares é o que acontece em escolas municipais de São Paulo, onde 15,5 mil alunos portadores de deficiência estão matriculados na rede regular de ensino. Gabriel, de 10 anos, é um deles. Diagnosticado autista desde os 3, este ano ele dispensou a ajuda da mãe e quis subir sozinho até o segundo andar da escola para chegar a sua nova sala de aula. A auxiliar em contabilidade Maria Marcília Pinheiro Cunha, de 36 anos, ficou apreensiva, mas permitiu. No meio das outras crianças, Gabriel subiu as escadas, entrou na sala correta e sentou-se.

- Ele evoluiu muito desde que começou a ter contato com as crianças da escola comum. Ele tinha muita dificuldade para falar, mas de ver os outros falando, acho que se sente estimulado. E um dia vi uma cena que me deixou tranquila. O cadarço dele desamarrou e um aluno abaixou para amarrar - conta Marcília.

Durante quatro anos, Gabriel frequentou uma escola especial, mas, por decisão da mãe, passou para uma escola comum em 2009. A entrada de Gabriel na escola pública coincide com o lançamento pela prefeitura paulistana de um dos maiores programas educacionais de inclusão em andamento no país. O Inclui começou em 2009, colocando, aos poucos, deficientes que estavam em escolas especiais em salas de aula regulares, e é apontado como uma iniciativa inovadora e bem-sucedida.

Inovadora porque, além da preparação de professores e agentes escolares e da adaptação arquitetônica das escolas, trouxe para a rede pública dois tipos de profissionais que nunca existiram. Um deles é o auxiliar do professor, em geral, um estagiário de Pedagogia, nas salas de aula com um ou mais alunos com necessidades educacionais especiais. A outra figura é a do cuidador ou Auxiliar de Vida Escolar (AVE), indicado para alunos com deficiências mais severas e sem autonomia.

O Inclui oferece transporte escolar gratuito aos deficientes e atividades pedagógicas complementares no contraturno escolar. Há ainda um acompanhamento periódico das crianças por psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, entre outros.

A iniciativa despertou o interesse de um grupo de promotores do Ministério Público de São Paulo especializados na defesa dos direitos da pessoa com deficiência e que estavam elaborando uma cartilha para promotorias do estado com orientações sobre o processo da educação inclusiva.

- Inclusão não é colocar todo mundo na escola de uma hora para outra, sem estrutura, porque vira depósito de crianças. O Inclui é inovador porque pensou a inclusão de forma integrada - diz o promotor de Justiça Júlio Cesar Botelho.

Cegos e surdos também podem ser matriculados na rede municipal. Para os deficientes visuais, a prefeitura garante material didático em braile e, no caso dos surdos, intérpretes em libras são contratados para auxiliar na sala de aula.

Também em São Paulo a Apae desativou em 2009 a sua escola especial, transferindo todos os 107 alunos para escolas comuns. Em parceria com a prefeitura paulistana, a entidade dedica-se hoje às aulas complementares no contraturno escolar.

- A maior preocupação é de o filho ser discriminado. Mas, no nosso caso, não tivemos qualquer experiência desse tipo - afirma a gerente-técnica da Apae-São Paulo, Marília Costa Dias.

Há mais de 40 anos aceitando deficientes, a escola Edem, na Zona Sul do Rio, é um exemplo de que atualmente mais pais se interessam em matricular os filhos em escolas regulares.

- A demanda tem crescido e já não conseguimos dar conta. São poucas as escolas particulares que aceitam esses alunos. O MEC manda uma dupla mensagem. É uma contradição orientar que não haja seleção, e as escolas mais seletivas sejam as que ocupam os melhores lugares nos rankings do Enem e de outros concursos. É ambíguo - diz Judy Galper, diretora da Edem.