Título: O risco das armas em casa
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 25/06/2011, O País, p. 3

Universitário acerta com balas de chumbinho três crianças em parque no ABC paulista

LUCAS LEITE é encaminhado para o Centro de Detenção Provisória de Santo André. No detalhe, a foto da carteira de identidade dele

Flávio Freire flavio@sp.oglobo.com.br

Oestudante de Direito Lucas Bomtempo Correa Leite, de 19 anos, foi preso em Santo André, no ABC paulista, depois de acertar com tiros de chumbinho três crianças ¿ duas de 3 anos de idade e outra de 7 anos ¿ que brincavam num parque público em frente ao prédio onde ele mora. Utilizando uma espingarda de pressão, o rapaz disparou várias vezes da sacada de seu apartamento, no 14º andar de um edifício de classe média alta da cidade. Dezenas de crianças brincavam por volta das 14h do feriado de Corpus Christi quando as meninas começaram a gritar que haviam sido atingidas.

Ao prender o jovem em flagrante, a polícia encontrou no quarto dele um arsenal, com armas de verdade e de brinquedo. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, entre as armas de verdade havia a espingarda utilizada no crime, um rifle, uma garrucha calibre 32, três punhais, cinco espadas, um machado de artes marciais, três canivetes, uma máquina de choque, um cassetete, um soco inglês, além de munição para revólver de calibre 38 e chumbinhos, como os que atingiram as crianças.

Estudante diz que testava a arma

Por causa do volume de armas encontradas com o rapaz, e pelo fato de envolver um jovem atirando contra crianças, o crime em Santo André remete, em menor proporção, ao que ocorreu em Realengo, na Zona Oeste do Rio, quando Wellington Menezes de Oliveira invadiu uma escola da rede municipal no bairro atirando contra alunos e matando 12.

Segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo, as armas de brinquedo estavam em uma mochila, também apreendida. O advogado Felipe Augusto de Oliveira Vibian, que defende Lucas, negou que boa parte do armamento era de verdade e disse ao GLOBO que apenas a garrucha não era de brinquedo.

No boletim de ocorrência foi registrado que Lucas responderá por lesão corporal e porte ilegal de armas. Na delegacia, o universitário afirmou que estava testando a arma fazendo disparos contra uma construção em frente a seu apartamento.

¿ Ele disse que nem sabia que tinha atingido as crianças ¿ contou um policial que acompanhou o depoimento do jovem.

Também na delegacia, Ricardo Moura Paulo, amigo de Lucas, disse que os dois são praticantes de airsoft, esporte que usa armas autorizadas pelo Exército, parecidas com as do paintball.

¿ Só que, no caso do airsoft, os projéteis são de PVC. Assim, a gente acerta o rival sem machucá-lo ¿ afirmou Ricardo.

Filho de médicos, sem antecedentes criminais, Lucas foi levado para a cadeia pública do município, onde até ontem à noite aguardava decisão da Justiça sobre o pedido de liberdade apresentado por seu advogado, para quem o jovem agiu por impulso. Lucas Leite cursa o primeiro ano da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e estaria estagiando no escritório de um amigo da família.

¿ Lucas é um rapaz de 19 anos igual a qualquer outro. Ele cometeu um ato por impulso, sem pensar, e feriu aquelas três crianças ¿ disse o advogado Vibian, que afirmou ter orientado os parentes de Lucas a dar hoje uma entrevista.

O pai de uma das crianças atingidas disse na delegacia ter visto o rapaz se escondendo cada vez que disparava em direção ao parque.

¿ A gente olhou para cima e viu um vulto se esconder ¿ contou Marcos Antonio Benedito.

A filha dele pensou, inicialmente, ter sido picada por uma abelha, até que o pai verificou a marca do tiro, entre a nuca e o ombro da criança.

Foto com roupas camufladas

Dojival Vaz de Lima, pai de outra criança, identificou de onde os tiros foram disparados e chamou a polícia. A síndica do prédio foi quem conduziu os policiais até o apartamento de Lucas, que estava sozinho em casa no momento em que foi preso. Os pais estariam viajando no momento da prisão.

Ontem, moradores do edifício evitavam entrevistas para falar do assunto. Um adolescente de 16 anos, que preferiu não se identificar, disse que Lucas não costumava frequentar a área social do prédio.

¿ Eu não o vejo desde o ano passado. Ele é bem na dele, mas teve uma vez que arrumou confusão com um morador dentro do elevador. E há uns dois anos ele mostrou para os meninos do condomínio uma arma de chumbinho e disse que gostava de atirar ¿ contou o garoto.

No perfil de Lucas no Facebook, desativado ontem, uma foto se destacava: ele aparecia com roupas camufladas, gorro, luvas e fazendo mira com uma espécie de fuzil. A arma seria a mesma usada pelos praticantes de airsoft, segundo seu advogado.