Título: Cartada de risco no Afeganistão
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Fonte: O Globo, 25/06/2011, Opinião, p. 6

Opresidente Barack Obama anunciou a retirada de 10 mil soldados americanos do Afeganistão até o fim deste ano, mais 23 mil até o próximo verão (no Hemisfério Norte) ¿ pouco antes das eleições de novembro de 2012 ¿ e sua continuação até que a segurança do país seja entregue aos próprios afegãos, em 2014.

Obama tinha que fazer alguma coisa, diante das eleições. Mas são tantas as questões a envolverem a decisão que ele precisará de muita sorte. Bem no meio da retirada há o pleito em que tentará a reeleição. A guerra afegã, que já custou a vida de 1.500 soldados, é altamente impopular nos EUA. Para os americanos, não tem sentido mantê-la após a morte de Bin Laden, responsável-mor pelo 11 de Setembro. Há, ainda, o bombardeio político-partidário: membros do Tea Party (gueto republicano) atacam a liderança de Obama. Uma parte dos democratas achou o plano de retirada tímido. A mídia fustiga. O ¿New York Times¿, favorável ao governo, criticou o fato de o presidente anunciar algo tão importante em apenas 13 minutos e sem detalhar a estratégia para evitar que o Afeganistão estoure após a saída americana.

A questão econômica é excruciante. Os EUA vão gastar com a guerra, este ano, US$120 bilhões, justo quando a recuperação da economia, especialmente a criação de empregos, se dá a um ritmo decepcionante. Obama salientou, no discurso, que ¿na última década, gastamos US$1 trilhão em guerras, enquanto a dívida aumenta e a economia vive tempos duros. (...) É hora de investir em reconstrução em casa¿. É o que o povo americano desejava ouvir, mas não os comandantes militares. Eles foram reticentes sobre a retirada, claramente dando a entender que poderá ser rápida demais, o que colocaria em risco a missão no Afeganistão. Que missão é esta? Primeiramente, era derrubar o Talibã, que dera refúgio à al-Qaeda e a Osama bin Laden. Isto foi conseguido, em termos, porque o Talibã não desapareceu. Em seguida, aniquilar a organização terrorista e seu líder (Bin Laden só foi morto em maio passado). Depois, transformar o Afeganistão num país viável. Levou anos de amargas perdas de vidas e de verbas para os EUA concluírem que isso é inviável. No comando do país está o pouco confiável presidente Hamid Karzai, cujo irmão é um dos maiores protagonistas da irredutível produção local de ópio ¿ a maior do mundo.

Finalmente, há a questão paquistanesa. Formalmente aliado americano, o Paquistão é onde Bin Laden vivia vizinho de uma das mais importantes academias militares do país. O aliado tem ainda enorme interesse em manter sua influência sobre o Talibã, para manobrar no Afeganistão, e sobre a al-Qaeda ¿ pode precisar de combatentes e terroristas numa eventual escalada de tensões com a Índia.

Sob pressão do calendário eleitoral, Obama agiu. O pior cenário será a retirada resultar no fortalecimento do Talibã e da al-Qaeda. Isto significaria jogar o Afeganistão no caos e aumentar a incerteza sobre o arsenal nuclear paquistanês. Para que suas chances melhorem, é preciso obter maior envolvimento de outras potências com influência na região ¿ China e Rússia. Elas também têm interesse em que o terrorismo seja derrotado e não devem tergiversar. É a grande tarefa da diplomacia.