Título: A vez da `Ahmadi-jihad¿ no Irã
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 25/06/2011, O Mundo, p. 28

Guerra entre o presidente e o aiatolá Ali Khamenei é novo obstáculo a negociações nucleares

ALI KHAMENEI acena a seus simpatizantes em Teerã: líder supremo da República Islâmica estaria se sentindo ameaçado por nova geração de tecnocratas conservadores

AHMADINEJAD, ao receber o presidente paquistanês ontem em Teerã: humilhado e pressionado por clérigos e políticos, sua nova estratégia tem sido o silêncio

Renata Malkes renata.malkes@oglobo.com.br

Os efeitos da Primavera Árabe desviaram nos últimos meses as atenções internacionais de Teerã e ocultaram a escalada de um conflito que Mahmoud Ahmadinejad preferia esconder do Ocidente e, sobretudo, dos Estados Unidos. Seis anos depois de chegar ao poder com o apoio público ¿ e inédito ¿ do líder supremo do Irã, Ali Khamenei, o presidente se vê envolvido numa guerra santa contra o poderoso aiatolá e toda a base política e clerical que sustenta o país. O ápice da crise de confiança entre os dois homens ocorreu na semana passada, quando o Majlis, o Parlamento iraniano, ameaçou uma ação de impeachment contra Ahmadinejad. Surpreendentemente, no entanto, a eventual ausência do presidente de figura hostil e discurso apocalíptico é considerada um desafio à Casa Branca e um entrave a mais nas negociações sobre o programa nuclear.

Para analistas, os EUA são o maior perdedor dessa batalha ¿ uma vez que o fortalecimento dos aiatolás e de políticos fundamentalistas mina as chances de negociar sobre o controverso programa nuclear de Teerã. Para Gary Sick, professor de Relações Internacionais da Universidade de Columbia, em Nova York, o problema é ainda maior: será difícil para todos, de ¿inimigos¿, como os EUA, a ¿amigos¿, como o premier xiita do Iraque, Nouri al-Maliki, encontrar um interlocutor sobre qualquer assunto no Irã.

¿ Ahmadinejad nunca teve poder para negociar nada sem a autorização de Khamenei. Mas sem ele, não haverá mesmo com quem falar. Essa disputa torna o momento muito ruim para engajar o Irã ¿ diz Sick, ex-conselheiro dos presidentes Ford, Carter e Reagan nos EUA.

As ambições nucleares do Irã vêm, em parte, da visão ideal do líder supremo para o país. Khamenei defende um Irã científica e tecnologicamente avançado para ser autossuficiente; autossuficiente o bastante para ser economicamente independente e, claro, economicamente independente para ter autonomia política ¿ e influência regional. Com a chance de diálogo se esvaindo, para Sick, é chegada a hora de admitir que o país tem direito a seu programa nuclear.

¿ Para exigirmos algo deles, é preciso oferecer alguma coisa, admitir que eles podem. É a base para negociar. Quando começamos com sanções, há 15 anos, o Irã não tinha uma centrífuga. Hoje, tem mais de 800. Em vez de negociarmos, aplicamos sanções para nós mesmos. São medidas populares, dão a impressão de que os EUA estão se impondo ¿ critica o analista.

Segundo o pesquisador Reza Marashi, do Conselho Nacional Iraniano-Americano, em Washington, a crise interna no Irã pode ser resumida como um grande embate de gerações.

¿ Há uma disputa da nova geração de políticos, como Ahmadinejad, que embora sejam conservadores como os clérigos, não têm formação teológica. É uma geração de tecnocratas que, apesar de acreditarem nos líderes religiosos, acham que essa liderança não pode mais ser absoluta ¿ explicou Marashi ao GLOBO.

Curiosamente, é o presidente linha-dura um defensor de um Irã menos influenciado pelos aiatolás. A disputa com o líder supremo tornou-se pública em abril, quando Ahmadinejad tentou demitir o Ministro da Inteligência, Heidar Moslehi. Khamenei vetou a demissão ¿ desautorizando o presidente, suspeito de tentar montar seu próprio núcleo de aliados e, principalmente, financiadores, de olho nas eleições parlamentares de 2012 e nas presidenciais, em 2013. Outra tentativa de afrontar a liderança de Khamenei foi o desmonte do Ministério do Petróleo, quando o presidente clamou para si a pasta ¿ sendo condenado por 165 dos 290 deputados do Majlis pela ação, tida como inconstitucional.

Líder supremo tenta humilhá-lo, diz analista

A ousadia de Ahmadinejad lhe rendeu novos inimigos, dispostos a atrapalhar qualquer manobra sua. Há quatro dias, foi a vez do vice-chanceler Mohammed Sharif Malekzadeh ser obrigado a renunciar por pressão dos clérigos islâmicos. Malekzadeh foi, inclusive, preso, como pelo menos 25 políticos aliados ao presidente. Todos por vagas e repentinas acusações de corrupção ou de conspiração contra o Islã.

¿ Khamenei está tentando humilhar Ahmadinejad de certa forma ¿ observa Marashi.

Ahmadinejad tem se mantido longe dos holofotes. Em sua última entrevista, no dia 7, disse que ¿estava em silêncio para inspirar a unidade¿ do país. Embora as promessas furiosas de um impeachment contra ele ecoem cada vez mais alto em Teerã, sua derrocada é remota: ele seria salvo justamente pela mão de ferro do aiatolá.

¿ Khamenei é esperto e vai usá-lo até o fim, ele critica Ahmadinejad, mas não quer se livrar dele. O presidente é útil para que o clero tenha a quem culpar pela inflação, pelo desemprego, pelo isolamento ¿ acredita Reza Marashi.