Título: STF acerta ao mirar no ardil da renúncia
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Fonte: O Globo, 26/06/2011, Opinião, p. 6

A polêmica prerrogativa do foro especial na Justiça para políticos e autoridades tem razão de ser. É defensável a ideia de que, ao se definir tribunais de alta instância para esses julgamentos, criam-se barreiras para evitar o uso do próprio Poder Judiciário por interesses políticos. Não se pode imaginar, por exemplo, que o presidente da República, sempre um alvo visado na luta partidária, possa ser processado na Justiça de cada estado. Haveria tantas ações que até estaria garantida a impunidade de todo presidente, pela impossibilidade de os processos tramitarem dentro dos prazos legais.

Mas, como a Justiça brasileira, apesar de avanços já realizados, ainda padece do mal da burocracia e do excesso de brechas pelas quais advogados competentes podem eternizar processo até a prescrição das penas dos clientes, mesmo o foro especial não é garantia de que a justiça será feita. Tanto que, no período pós-ditadura militar, só em 13 de maio do ano passado um político veio a ser julgado e condenado no Supremo: o ex-deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), a dois anos e dois meses de prisão pelo crime de responsabilidade, pena substituída por multa e serviços à comunidade.

O problema do foro privilegiado, mas não do princípio em si, é a possibilidade de o processado, ao perceber o risco da condenação, renunciar ao mandato na véspera do julgamento. Assim, o processo começa do zero, na primeira instância, e o político tem todas as chances de se beneficiar da prescrição da pena. Há vários casos de aplicação bem-sucedida da esperteza. Daí, ao se entrar na reta final para o julgamento do processo do mensalão, ministros do STF, como noticiou O GLOBO, estarem preocupados com a possibilidade de os dois políticos com mandato entre os réus, deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), renunciarem. Assim, todo o processo, e não apenas as partes referentes aos dois, cairá para a primeira instância, decretando, na prática, a impunidade de todos os 38 acusados.

Caso isso ocorra, terão sido perdidos quatro anos de trabalho, durante os quais, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa, foram ouvidas mais de 600 testemunhas, gerados incontáveis documentos, distribuídos já em 213 volumes. Em carta veemente ao jornal, João Paulo Cunha garantiu não pensar em renúncia. Sentiu-se injuriado pela reportagem. Menos mal. Não se sabe o que pensa Valdemar Costa Neto.

Na dúvida, é melhor agir, no que fazem muito bem ministros da Corte. Seis deles não estão dispostos a permitir este desfecho dramático do maior processo em torno de malfeitorias financeiras na política de que se tem notícia. Em outubro de 2007, diante da renúncia do então deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), para escapar do julgamento por tentativa de homicídio, a Corte se dividiu, mas o político teve êxito. Hoje, o resultado poderia ser outro. É o que se espera do STF. Já passou da hora de fechar esta porta para a fuga fácil de políticos. A própria Lei da Ficha Limpa já inclui como delito, para efeito de inelegibilidade, esta batida em retirada malandra. O STF adiou a entrada em vigor da lei, mas não a considerou inconstitucional.