Título: O acesso ao sistema judiciário é muito difícil
Autor: Duarte, Alessandra; Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 20/06/2011, O País, p. 3
Corpo a Corpo : Hélio Bicudo
Jurista, ex-deputado federal e ex-vice-prefeito de São Paulo, Helio Bicudo não conhece dona Lauricy Fátima de Jesus. Mas a ideia que tem para melhorar o funcionamento do Judiciário lembra o que a moradora de Duque de Caxias, usuária da Defensoria Pública do Rio, sugere. Para Bicudo, um dos fundadores do PT e hoje presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, a Justiça precisaria criar distritos judiciários pelos municípios, para fazer com que o sistema vá até o cidadão. Essa descentralização física, afirma Bicudo, poderia auxiliar na própria redução do número de processos. "O juiz acaba decidindo só sobre papel, e papel não é vida", diz.
O GLOBO: Por que as leis não pegam ou não são cumpridas no país?
HÉLIO BICUDO: Às vezes, é por falta de interesse do chefe do Executivo, o governador, o presidente. Porque no Brasil o Executivo tem muita influência sobre o que o Legislativo vota ou não. Isso só vai melhorar quando houver melhora da qualidade dos integrantes do Legislativo. Além disso, muitas leis não são cumpridas porque temos um sistema judiciário de cem anos atrás. O acesso ao sistema é muito difícil.
Por causa do custo de se pagar um advogado, por exemplo?
BICUDO: Não só por causa disso, não. É que o juiz não recebe as pessoas. Primeiro, nas sessões, está num estrado, num plano superior, um absurdo numa civilização democrática. Segundo, não recebe, e tinha que receber. Ele se fecha na sua sala e só abre para audiências.
Muitos dizem que é por causa do excesso de processos e recursos...
BICUDO: Acho que isso é conversa mole. Os juízes têm assessores. Aqui, em São Paulo, os juízes têm escritórios na Av. Paulista com assessores. Não podem se organizar e ter horário para receber? Olha, o problema da Justiça brasileira hoje é a excessiva centralização. Na cidade de São Paulo, com mais de dez milhões de habitantes, há dois fóruns na região central. Quem mora na ponta demora um dia para chegar.
Essa centralização que o sr. diz é física mesmo?
BICUDO: Isso, é distribuição espacial. É preciso que sejam criados distritos judiciários, que fiquem espalhados pelas cidades. Que haja um distrito, pelo menos, em cada bairro ou região de uma cidade. No caso da cidade de São Paulo, precisaria de, no mínimo, uns 500 distritos.
A criação desses distritos necessitaria da aprovação de alguma lei?
BICUDO: Não precisa de lei, é organização interna do Judiciário. A Justiça precisa ir até a sociedade, em vez de querer que só a sociedade vá até ela. O aumento de volume processual, por exemplo, é coisa de Justiça centralizada. Não vai resolver com menos graus de recursos, porque reduzir recursos é reduzir a liberdade das pessoas. O volume processual vai diminuir e com a descentralização. Com os distritos, as pessoas estariam perto de onde resolvem as questões, às vezes nem abririam ação, fariam acordo. Hoje a coisa toda se mecanizou, o juiz tem um modelo de sentença, que ele só recheia com o caso. A última reforma constitucional, acho que há quatro anos, acabou com a obrigação de o juiz morar na comarca onde atua. Mas, sem a proximidade com as pessoas sobre as quais ele vai julgar, não há Justiça. O juiz acaba decidindo só sobre papel e papel não é vida.