Título: Governo: risco de desnacionalização justifica fusão Pão de Açúcar-Carrefour
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 30/06/2011, Economia, p. 26

BRIGA DE GIGANTES: Diniz usa argumento "ameaça Carrefour" e convence Dilma

Operação é tida como questão ideológica. BNDES diz que viu chance de bom negócio

Gerson Camarotti, Eliane Oliveira, Luiza Damé

BRASÍLIA. O apoio do Palácio do Planalto à fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour Brasil é uma tentativa de evitar que o grande varejista do país venha a se tornar um grupo franco-americano. Nas palavras de um interlocutor direto da presidente Dilma Rousseff, havia a chance de "desnacionalização do mercado". Em um cenário vislumbrado pelo governo, havia a possibilidade de o grupo francês, segundo no ranking nacional, negociar uma união de operações com o americano Walmart (terceiro) para derrubar o Pão de Açúcar. Além disso, a companhia brasileira poderia perder a digital verde-amarela, já que o Casino tem a opção de compra de mais uma fatia a partir de 2012, tornando-se sócio majoritário do grupo.

Segundo assessores graduados, há aproximadamente dois meses, Abilio Diniz procurou o governo para falar da proposta e pedir apoio. Usou como argumento a "ameaça Carrefour" e convenceu Dilma. O Palácio do Planalto vê com bons olhos a ideia de fortalecer empresas nacionais e deu sinal verde para o BNDES participar da operação. Um assessor do governo ressaltou ontem que essa é uma "questão ideológica, de visão do papel do Estado".

As tratativas foram feitas pelo presidente do banco, Luciano Coutinho. O BNDES viu na fusão uma chance de fazer um bom negócio, mas faz questão de ressalvar que, até o momento, houve um "enquadramento". Ou seja, o banco demonstrou interesse e mérito na operação, mas quer que Diniz resolva todas as questões jurídicas, principalmente as relacionadas ao Casino.

O banco também fez um esforço para esclarecer pontos da negociação com Diniz. O argumento usado pela diretoria do BNDES é que se trata de compra de participação, e não de empréstimo, e que a BNDESPar - braço de participações do banco de fomento - tem histórico de bons negócios: no ano passado, R$4 bilhões do lucro de R$9,9 bilhões vieram dela.

Ministros defendem operação, oposição reage

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que presidente o Conselho de Administração do BNDES, defendeu a fusão ontem, em audiência na Câmara dos Deputados. Se a operação for concretizada, disse, será mais fácil a inserção de produtos brasileiros, especialmente os de agronegócios, no mercado internacional. Questionado sobre a possibilidade de o banco entrar na operação, ele afirmou:

- Isso tudo seria resolvido se o setor financeiro privado do Brasil fizesse sua parte e financiasse a indústria nacional.

A oposição reagiu ontem à possível participação do BNDES na operação. O deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR) apresentou na Comissão de Finanças e Tributação um requerimento de audiência pública com o presidente do banco, Luciano Coutinho. Já o o presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), disse que o BNDES está sendo usado indevidamente "para criar grandes trustes nacionais"

Por sua vez, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que a eventual fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour não envolverá recursos públicos. Ontem, Abilio Diniz participou de uma reunião da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade no Palácio do Planalto.

- Foi uma enorme coincidência. Marcamos a reunião da câmara, e o doutor Abilio faz parte. Isso é uma operação enquadrada pelo BNDES, não é uma operação de crédito do BNDES, portanto, não tem recurso público, nem FGTS nem Tesouro. É o BNDESPar que vai fazer isso. É uma ação de mercado, não tem nada a ver com decisão de governo - disse Gleisi.