Título: Grécia de volta ao centro do mundo
Autor:
Fonte: O Globo, 29/06/2011, Opinião, p. 6

A influência da cultura grega no Ocidente é seminal. Mas, nos dias que correm, a Grécia tem sido mais do que uma referência na Civilização: há motivos concretos para se estar atento aos embates políticos em Atenas para a aprovação, hoje, no Parlamento, de mais um duro pacote de ajuste interno. Na verdade, é bem mais que isso: trata-se de um novo e decisivo capítulo da crise de dívidas de países (¿dívidas soberanas¿) do bloco europeu, deflagrada em 2009, na esteira do apagão no crédito mundial provocado pelas ondas de reverberação da quebra do sistema financeiro imobiliário americano. No planeta, governos tiveram de aumentar os gastos para aguentar o tranco recessivo e sustentar seus próprios bancos. Quem não tinha as contas públicas minimamente equilibradas foi punido pelo mercado, e não teve mais condições de renegociar as dívidas a taxas suportáveis.

Primeiro, explodiram Grécia e Irlanda. A tsunami depois engolfou Portugal e ameaça há algum tempo a Espanha. A União Europeia mostrou deficiências de governança, incapaz de supervisionar, cobrar e punir os países-membros indisciplinados do ponto de vista fiscal. A Grécia, por exemplo. A partir do início de 2010, já com o apoio do Fundo Monetário, a União Europeia passou a liberar linhas de ajuda aos gregos, num total de US$163 bilhões. Foi, ainda, constituído um fundo de contingência de US$680 bilhões para quem necessite de socorro. Portugal aprovou um primeiro programa de austeridade e foi ajudado. A Grécia deu passos nesta direção, mas não conseguiu se estabilizar. Semana passada, o governo socialista do primeiro-ministro George Papandreou ultrapassou a barreira de fogo do voto de confiança, e joga tudo na aprovação de outro conjunto de medidas para tentar reequilibrar as finanças: demissões de servidores, privatizações, etc.

A Grécia volta ao centro do mundo, pelo efeitos negativos que pode provocar na economia global. O drama grego e, por tabela, do mundo é mais uma lição prática de como todos estamos interligados.

A UE condicionou à aprovação das medidas pelo Parlamento a liberação imediata de US$17 bilhões, com participação do FMI, para o resgate de títulos que vencem nas próximas semanas. Daí ser essencial a vitória do governo na votação de hoje. Se perder, o país quebra (¿default¿) e, com ele, são arrastados para o prejuízo muitos bancos europeus ¿ e não só. Não há caridade. Franceses, alemães, a UE, enfim, querem evitar abalos no seu sistema financeiro, o proprietário dos títulos da dívida grega. O mico está nele.

Há quem aposte não haver outra saída para a Grécia fora a renegociação da dívida (como o Brasil, na redemocratização). Bancos franceses, entre os mais expostos a uma debacle grega, já propõem rolar parte dos títulos e contribuir para a constituição de um fundo de apoio ao país. É a tal participação privada que os alemães tanto pedem.

Paira ainda o medo de danos que podem ser provocados pelos chamados CDS (Credit Default Swap), um seguro contra calotes de credores. Trata-se de um derivativo negociado no mundo, sem transparência, entre as instituições financeiras globais. Se a Grécia falir, detentores de CDS cobrarão a perda. Para imaginar o resto, basta lembrar do final de 2008. Daí as vítimas em potencial não serem apenas europeias. Mais um alerta para o Brasil evitar aventuras na condução da economia: o mundo não está para amadores.