Título: Cartão de crédito, consumidor e fisco
Autor: Maciel, Everardo
Fonte: Correio Braziliense, 13/08/2009, Opinião, p. 27

Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002).

O fato econômico mais relevante das últimas décadas foi a hegemonia da economia do conhecimento. As novas tecnologias de informação e comunicação se expandiram de forma avassaladora e trouxeram mais confiança e agilidade nos negócios, além de opções de consumo melhores e mais baratas.

Nesse contexto, os cartões de crédito e débito se converteram em instrumentos quase indispensáveis. Na imensa maioria das lojas de varejo, hotéis e companhias aéreas, por exemplo, não há como dar curso a qualquer negócio sem a eles recorrer.

Há menos de 20 anos, os brasileiros que viajavam para o exterior eram olhados com desconfiança nos balcões dos hotéis, ao pagarem despesas com dinheiro ou cheques de viagem, porque não nos era dado o direito de possuir cartão de crédito internacional.

No Brasil, as transações com cartões de crédito alcançaram, em 2008, a impressionante cifra de R$ 375 bilhões, como decorrência da utilização desse meio de pagamento em 1,4 milhão de estabelecimentos comerciais ¿ praticamente a metade das empresas inscritas no CNPJ.

Os cartões concorrem, igualmente, para formalização de empresas e negócios, porque suas transações são obrigatoriamente registradas, em contraste com as realizadas por meio de dinheiro ou cheque, que podem transitar sem que necessariamente ocorram registros.

A indispensabilidade do registro nessas transações atraiu o interesse das administrações fiscais, no enfrentamento da evasão fiscal ou, em sentido mais amplo, da economia subterrânea. Alguns países já oferecem crédito fiscal ao contribuinte nas operações efetuadas com cartões de crédito. Aqui, essas transações estão sujeitas a vinculação com as notas emitidas pelos emissores de cupões fiscais ¿ instrumento de notável serventia no combate à sonegação nas operações de varejo.

Além disso, as transações com cartões de crédito foram incluídas no rol das informações com acesso facultado ao fisco, no âmbito normativo da Lei Complementar nº 105, de 2001. Em virtude do art. 5º dessa lei, instituições financeiras, inclusive bancos e operadoras de cartões de crédito, remetem periodicamente informações à Receita Federal relativamente a transações realizadas, o que permite a constituição de poderosos bancos de dados.

O cruzamento desses bancos de dados com outras informações, obtidas por meio de declarações, converteu-se em importante ferramenta no combate à evasão. O compartilhamento com os fiscos estaduais das informações extraídas de cartões de crédito permitiu, já agora, à Secretaria de Fazenda do Distrito Federal identificar indícios de sonegação no comércio varejista que avultam a R$ 200 milhões ¿ correspondentes a mais da metade da arrecadação mensal do ICMS.

A despeito dessas evidências, têm surgido iniciativas parlamentares, no âmbito do Congresso Nacional, visando facultar aos estabelecimentos comerciais a cobrança de preço diferenciado nas vendas com cartões de crédito, em oposição às vigentes normas que vedam esse tratamento, porquanto entendem que aquelas transações devem ser tidas como pagamento à vista.

O argumento apresentado são os custos inerentes à operação, assumidos pelo comerciante e transferidos aos consumidores, usuários ou não de cartões. Depreende-se, claramente, que o objetivo seria reduzir os preços para os que não se valessem dos cartões de créditos.

De pronto, é ingenuidade presumir que ocorra essa redução. Os preços se sujeitam a movimentos mais complexos que os ditados por aqueles custos. Mais razoável é entender que haveria apenas um aumento de margem. Afora disso, a utilização do cartão de crédito implica redução de custo para o comerciante, à medida que há uma transferência do risco de crédito para a operadora do cartão. A administração desse risco pelo próprio comerciante seria, além de cara, ineficiente.

Não se pode dizer que as transações com cartão de crédito não mereçam aperfeiçoamentos, especialmente no tocante à adoção de medidas que favoreçam uma maior concorrência no setor. A diferenciação de preços nas vendas com cartão de crédito, entretanto, assume natureza assemelhada a uma despropositada taxa tributária, sobretudo quando se considera a possibilidade, hoje admitida, de vendas com desconto para as compras em dinheiro. Adotá-la significa, portanto, eleger duas vítimas potenciais: o consumidor e o combate à economia subterrânea. Felizmente, o Congresso tem sido pouco receptivo a essa desarrazoada tese.