Título: Visita de compromisso
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 13/08/2009, Mundo, p. 28

Lula recebe o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e promete cobrar de Barack Obama atitude mais firme contra o governo de fato.

Em seu primeiro encontro com Manuel Zelaya desde o golpe de Estado que o tirou do poder em Honduras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que vai reforçar o pedido a Barack Obama por uma ação rápida dos Estados Unidos para viabilizar seu retorno ao posto. E reafirmou sua oposição a qualquer eleição realizada pelo governo de Roberto Micheletti. Zelaya, por sua vez, aproveitou a oportunidade para narrar detalhes sobre o golpe e a atual situação do país: ¿Pessoas assassinadas, mais de mil presos políticos, imprensa censurada¿, denunciou.

¿Também falamos sobre outras estratégias em relação aos próximos acontecimentos, para evitar que se repita na América Latina esse ato violento contra a democracia¿, disse o presidente deposto. Segundo Zelaya, uma dessas estratégias é definir que a Organização dos Estados Americanos (OEA) e outros órgãos multilaterais não reconheçam qualquer eleição organizada por ¿um Estado ilegal¿. Aos jornalistas, o hondurenho frisou que seu governo realizaria uma ¿pesquisa de opinião pública, não um referendo ou plebiscito, como acusam os golpistas¿, em referência à consulta popular que realizaria no dia em que foi deposto e deportado (leia o Entenda o caso).

Zelaya disse ainda que pretende atender, na próxima semana, o convite da secretária de Estado Hillary Clinton para uma visita a Washington. Entretanto, a decisão final dependerá do resultado da viagem dos chanceleres da OEA a Tegucigalpa, prevista para a próxima terça-feira. ¿O governo Obama, pelo que me consta, não teve nada a ver com o golpe. Não se pode dizer o mesmo de alguns ex-membros da CIA (inteligência americana) e do governo Bush¿, disse o presidente deposto, demonstrando confiança no presidente americano. ¿Os EUA ratificaram a condenação (do golpe) feita pelas Nações Unidas e pela OEA. Não creio que, nesse caso, o governo Obama tenha `dupla moral¿¿, completou.

Projetos

Além do encontro com Lula e o chanceler Celso Amorim, a comitiva de Zelaya aproveitou a vinda a Brasília para manter contato com empresas com as quais o governo deposto já tinha projetos. ¿Meus ministros estão mantendo reuniões com empresários brasileiros da construção, especificamente das áreas de eletricidade e estradas¿, revelou o hondurenho ao Correio ao deixar o hotel para se reunir com Lula. Segundo a reportagem apurou, um dos encontros, ainda na noite de terça-feira, foi com um representante da construtora Odebrecht. A empresa realiza estudos de viabilidade para dois projetos de hidrelétricas, nas desmentiu que tenha obras no país. ¿Nossos programas estão paralisados¿, explicou o presidente deposto. ¿O governo legítimo paralisou e eles não serão retomados até que retorne a democracia.¿

O encontro com o presidente brasileiro foi o único compromisso oficial do visitante, que passou a manhã no hotel, com os ministros que o acompanham ¿ o chefe de Gabinete, Enrique Flores Lanza, e a chanceler, Patrícia Rodas ¿, para discutir assuntos de política interna. ¿Ele continua trabalhando, pois ainda é o presidente¿, afirmou o embaixador da Venezuela em Honduras, Armando Laguna, que faz parte da comitiva.

Zelaya segue hoje de Brasília para Santiago, onde será recebido ¿ também como chefe de Estado ¿ pela presidenta Michelle Bachelet. Ontem, a pedido de Zelaya, o governo chileno recolheu as credenciais do embaixador hondurenho acreditado em Santiago.

A posição do Brasil tem sido firme desde o golpe de Estado. Não reconheceu (o novo governo) e pede a restituição incondicional do poder¿

Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras

Entenda o caso Manobra continuísta

O estopim da crise política em Honduras foi uma iniciativa do presidente Manuel Zelaya, eleito em 2005, para alterar a Constituição e habilitar-se a disputar um novo mandato ¿ com o propósito de perpetuar-se no poder, segundo denunciaram opositores, inclusive entre antigos correligionários. Originário do Partido Liberal, Zelaya alinhou-se progressivamente a Hugo Chávez e integrou o país à Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), ao lado de Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia.

A proposta original do presidente hondurenho era submeter a plebiscito a convocação de uma Assembleia Constituinte, mas a proposta foi rejeitada pelo Congresso. Zelaya decidiu então incluir uma pergunta sobre a Constituinte no processo eleitoral de sua própria sucessão, marcado para novembro. Diante da negativa da Suprema Corte, o governante insistiu em promover, em 28 de junho, o que chamou de ¿consulta informal¿ ¿ como se fosse uma pesquisa de opinião ¿ sobre a realização do plebiscito coincidindo com a eleição presidencial. Desautorizado pela Justiça, encomendou urnas da Venezuela e instruiu os militares a organizarem a ¿consulta¿.

Diante da recusa, o presidente destituiu o comandante militar e mandou tropas leais invadirem a base aérea onde as urnas venezuelanas estavam guardadas. Com ordem do Judiciário e do Legislativo, tropas detiveram o presidente na residência oficial, na manhã de 28 de junho ¿ o domingo da consulta convocada à revelia do demais poderes ¿, e o deportaram para a Costa Rica. No mesmo dia, o Congresso destituiu formalmente Zelaya e nomeou o presidente do Senado, Roberto Micheletti, para encabeçar um governo provisório, encarregado de conduzir a sucessão.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu não reconhecer Micheletti e suspendeu Honduras, por decisão unânime. Autorizou, porém, o presidente da Costa Rica, Óscar Arias, a tentar uma solução negociada. Arias reuniu-se com Zelaya e Micheletti, promoveu novas discussões com representantes de ambas as partes, mas não conseguiu um consenso. A proposta do mediador prevê o retorno do presidente deposto ao governo, como exige a OEA, mas com a antecipação das eleições presidenciais e o engavetamento dos planos de continuação de Zelaya ¿ e mesmo de convocação de uma Constituinte.

Colômbia finaliza acordo

Uma delegação colombiana, com representantes dos ministérios da Justiça e da Defesa, está em Washington para acertar os últimos detalhes do acordo militar pelo qual forças americanas terão acesso operacional a sete bases em território da Colômbia. Segundo reportagem do jornal El Tiempo, de Bogotá, a expectativa é que o documento seja firmado até o fim desta semana. Como se trata, em termos jurídicos, de uma convenção adicional ao Plano Colômbia ¿ um acordo de cooperação inclusive militar firmado em 2000 e ratificado pelo Legislativo de ambos os países ¿, o novo texto não depende de aprovação.

As primeiras notícias sobre a cessão das bases colombianas, vazadas pela imprensa local no fim de julho, despertaram reação estridente da Venezuela, do Equador e da Bolívia. Brasil, Argentina e Chile, entre outros governos mais moderados, manifestaram ¿desconforto¿ com a presença militar de ¿atores extrarregionais¿ e pediram mais ¿transparência¿ de Washington e Bogotá. A questão dominou a breve reunião de cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na última segunda-feira, em Quito.

Na ausência do presidente colombiano, Álvaro Uribe, os governantes do bloco decidiram convocar uma cúpula extraordinária sobre o assunto e convidar Barack Obama. Uribe sinalizou ontem que aceitaria discutir o acordo com a Unasul, desde que não no Equador ¿ cujo presidente, Rafael Correa, suspendeu as relações bilaterais em março de 2008, depois que a aviação colombiana bombardeou um acampamento guerrilheiro do lado equatoriano da fronteira.

A expectativa é de que o encontro se realize na Argentina, onde no fim deste mês se reunirão os chanceleres e ministros de Defesa da Unasul ¿ sem a presença da Colômbia.