Título: Em meio à violência, Grécia vê hora de decisão
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Fonte: O Globo, 29/06/2011, Economia, p. 28

Parlamento vota hoje medidas de austeridade. Sindicatos fazem greve geral e manifestantes enfrentam polícia

ATENAS. O Parlamento grego começou ontem a votação das novas medidas de austeridade, um pacote de 28 bilhões, em meio a uma greve geral e violentos protestos. A fim de garantir a aprovação das medidas, membros do partido governista, o Pasok, faziam corpo a corpo para convencer parlamentares reticentes, informou o jornal grego ¿Kathimerini¿. A votação termina hoje, e desse resultado depende o futuro da Grécia. Se as medidas não passarem, o país não receberá a nova parcela do socorro acertado no ano passado, de 12 bilhões, e ficará insolvente.

Os esforços do governo para conquistar a adesão dos parlamentares, aparentemente, vêm dando resultado.

¿ Resolvi votar a favor do plano porque os interesses nacionais são mais importantes que nossa própria dignidade ¿ disse o deputado Thomas Robopoulos.

Os sindicatos promoveram a greve de 48 horas para dar mais gás aos protestos contra as medidas de austeridade. Foi a primeira greve de dois dias desde o restabelecimento da democracia, em 1974. Foram deslocados mais de 5 mil policiais para o Centro de Atenas, já que os manifestantes vêm se concentrando na Praça Syntagma, em frente ao Parlamento. Estima-se que os protestos tenham reunido cerca de 20 mil pessoas.

Pedras ferem 21 policiais. Cinco pessoas são presas

A manifestação começou pacífica, mas no início da tarde centenas de jovens, muitos usando máscaras contra gás e capuzes, atiraram pedras contra a polícia, que revidou com gás lacrimogêneo. Eles também quebraram vitrines e queimaram objetos usados em barricadas. Segundo informações oficiais, 21 policiais foram feridos por pedras. Uma pessoa foi esfaqueada durante um confronto entre grupos de manifestantes rivais e mais oito ficaram feridas.

Um grupo cantava ¿Pão, educação, liberdade¿, um slogan usado em 1973, quando os jovens foram às ruas contra a ditadura militar. Uma faixa afirmava ¿Nada de sacrifícios pela plutocracia¿, enquanto os manifestantes gritavam ¿Trabalhadores, vocês podem viver sem patrão¿ e ¿Queremos direitos para os trabalhadores, não lucro para os patrões¿.

A praça foi tomada por nuvens de gás lacrimogêneo, com a polícia de choque, equipada com escudos, capacetes e cassetetes, tentava dispersar os manifestantes. A polícia informou que 23 pessoas foram detidas, sendo que cinco foram presas.

A violência prosseguiu durante a tarde. Os manifestantes queimaram duas vans de equipes de comunicação, com antenas de celular, que confundiram com equipes de TV. Eles também fizeram pichações contra a mídia e os bancos.

À noite, manifestantes pacíficos voltaram a tomar a praça. Eles gritavam insultos contra os parlamentares. Mas nas ruas laterais grupos de mascarados continuaram a enfrentar a polícia.

¿ As medidas são para o bem dos bancos, não para o bem dos trabalhadores ¿ disse o funcionário municipal Yannis Tsounis, de 38 anos. ¿ A Europa não deve nos considerar párias. Estamos começando a sentir que não somos parte da Europa.

As medidas do governo irritaram os gregos, decepcionados com a corrupção e a ineficiência política.

¿ Eles cortaram nossos salários em 25%, e muitas pessoas no meu departamento não recebem há dois meses ¿ disse o funcionário público Yannis Zaharopoulos, de 52 anos. ¿ Estamos financeira e politicamente destruídos.

Os manifestantes têm tido a companhia constante de cachorros de rua. Se no ano passado um cão chamado Kanellos foi a estrela, desta vez é Loukanikos (que significa salsicha). Ele já ganhou Twitter, Facebook e vídeo no YouTube (http://tinyurl.com/3ndj6zf).

`Estamos agora lidando com a História deste país¿

As medidas que estão sendo votadas visam a aumentar a receita do governo em 78 bilhões até 2015. Isso será feito por meio de alta de impostos, sendo 2,3 bilhões apenas este ano. Com a chamada ¿taxa solidária¿, com alíquotas entre 1% e 5%, o governo estima arrecadar 1,3 bilhão. A renda isenta recua de 12 mil para 8 mil. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de bares e restaurantes passará, imediatamente após a aprovação da lei, de 13% a 23%.

Com as privatizações, o Estado prevê obter 50 bilhões até 2015. Serão vendidos loterias, o banco postal e operadores de portos. Além disso, o funcionalismo público sofrerá um corte drástico. Este ano o gasto com salários seria reduzido em 770 milhões. Já os benefícios sociais sofrerão um corte de 5 bilhões.

O ministro de Finanças, Evangelos Venizelos, fez um apelo para que os parlamentares aprovem as medidas. Ele disse que elas são essenciais para convencer os credores de que a Grécia pode cumprir as exigências feitas por União Europeia (UE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).

¿ O governo está ficando sem tempo, assim como a oposição ¿ disse Venizelos no Parlamento. ¿ Estamos agora lidando com a História deste país, e ninguém pode brincar com isso.

A votação está prevista para começar às 10h, hora local (16h em Brasília). Parlamentares acreditam que ela deve se estender por toda a tarde.

O principal partido de oposição, o Nova Democracia, é contrário às medidas.

¿ Essa política está errada, ela esgotou o povo e a sociedade gregos ¿ disse o líder do partido, Antonis Samaras. ¿ Se persistimos nesse erro, só tornaremos as coisas piores para Grécia e Europa.