Título: Abilio Diniz abre guerra contra sócio francês
Autor: D"Ercole, Ronaldo; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 01/07/2011, Economia, p. 23

BRIGA DE GIGANTES: Advogado de grupo europeu afirma que proposta de fusão é "golpe de estado corporativo"

Empresário diz que Casino violou lei brasileira ao comprar ações do Pão de Açúcar nos últimos dias. Ex-ministros comandam defesa

SÃO PAULO e RIO. Um dia depois de defender publicamente a participação do BNDES numa possível fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour, como forma de evitar a desnacionalização do varejo no país, o empresário Abilio Diniz voltou a disparar ontem contra o Casino, o sócio francês com o qual trava uma guerra para não perder o controle da rede de supermercados fundada por seu pai. Em comunicado divulgado no início da tarde de ontem, Diniz sugere que o Casino violou a legislação brasileira e as normas que regem o mercado de capitais ao comprar ações do Pão de Açúcar nos últimos dias. Na quarta-feira à noite, o Casino informou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ter comprado R$1,1 bilhão em ações da empresa desde o dia anterior, o equivalente a 6% do capital. Sua fatia passou de 37% para 43,1%.

Diniz: Casino condenou operação de forma precipitada

Na nota, divulgada como resposta a "questionamentos da imprensa" sobre as compras do Casino, Diniz afirma que "não adquiriu ou vendeu qualquer ação da Companhia em atendimento à determinação da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD, razão social do Pão de Açúcar), conforme comunicado enviado no dia 28 pela manhã, impedindo que administradores, membros do Conselho de Administração e acionistas controladores negociem ações da empresa". Essa foi a data de apresentação da proposta de fusão com o Carrefour ao mercado.

O texto se refere à manobra do Casino para aumentar sua cota de ações preferenciais (PN), movimento entendido pelos analistas como defensivo. Com uma fatia 6% maior em PNs da CBD, o Casino ganha poder para vetar as condições de troca dessas ações por ordinárias do Novo Pão de Açúcar (NPA), empresa que seria criada para viabilizar a fusão com o Carrefour.

Desde 2005, Diniz divide o controle do Pão de Açúcar com o Casino. Mas, pelo acordo de acionistas, os franceses devem assumir o controle em 2012. As relações entre Diniz e Casino estão estremecidas desde maio, quando um jornal francês revelou que o brasileiro vinha conversando reservadamente com o Carrefour. O Casino denunciou Diniz à Câmara Internacional de Arbitragem por violação do acordo de acionistas, por não ter sido informado das tratativas do sócio com seu arquirrival.

Em nota que publica hoje nos principais jornais do país, Diniz afirma que os acordos de acionistas do Pão de Açúcar não vedam negociações, "apenas exigem que as decisões sejam tomadas seguindo determinados trâmites". O acordo a que o Casino se refere na ação, porém, é o que rege as relações na Wilkes, holding formada pela Península, empresa que representa a família Diniz, e o Casino para administrar a rede de supermercados.

"Até agora o Casino se ateve, precipitada e emocionalmente, a condenar uma operação sem qualquer análise. A questão principal, da qual não se deve desviar o foco, é a seguinte: a operação é ou não boa para o Pão de Açúcar?", pergunta Diniz na nota.

O empresário não cita o fato de que, com o modelo de fusão proposto, o Casino não só perderia o direito de assumir o controle do Pão de Açúcar em 2012 como seria apenas mais uma voz nas assembleias de acionistas do NPA, que irá dividir com a Carrefour o controle das operações de Pão de Açúcar e Carrefour Brasil.

Ações sobem 1,62%, com volume de R$263 milhões

Contratado pelo Casino, o advogado criminalista José Carlos Dias, que foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, chamou de "golpe de estado corporativo" a manobra de Diniz para evitar a troca de controle do Pão de Açúcar. Em resposta, o empresário recrutou ontem Marcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça sob Lula. Este classificou de "licença poética"" a declaração de Dias. E defendeu que Diniz e Jean-Charles Naouri, diretor-executivo do Casino, busquem um entendimento na Assembleia de Acionistas da Wilkes, que deve acontecer nos próximos dias.

- Não houve transgressão, nem legal nem contratual (da parte de Diniz). Não é uma oferta hostil porque não torna obrigatório o negócio, ele precisa ser aprovado - disse Bastos, ressaltando que o tema deve ser discutido na assembleia, "não pela imprensa". -- A ideia do Pão de Açúcar sempre foi fazer as coisas de forma amigável e democraticamente.

Analistas do mercado financeiro e fontes que acompanham a negociação entre Pão de Açúcar e Carrefour acreditam que a fusão tem chances de ser aprovada.

- Há uma grande dúvida no mercado se o Casino tem realmente poder para vetar a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour - disse Julia Monteiro, analista da Ativa, ressaltando que o Casino aumentou sua força na empresa para se proteger.

Com a compra das ações na última quarta-feira, o Casino passou a ter 20,5% das PNs. Antes, após uma operação em 15 de junho, a empresa tinha 10,5%. Por isso, parte do mercado acredita que o Casino já tinha informações privilegiadas sobre algum tipo de negociação em curso.

- Diniz só tornou a oferta pública no dia 27. No dia 28, o Casino pediu uma reunião do Conselho de Administração. Mas no dia 15 a empresa já estava comprando ações, o que indica que sabia que não eram apenas boatos - disse uma fonte do mercado financeiro.

Outra lembra que há espaço para alterar os termos da fusão, aumentando as ações para o Casino, por exemplo.

Procurada, a CVM disse estar analisando a operação.

Ontem, as ações PN da CBD subiram 1,62%, a R$72,15. Os papéis tiveram movimentação expressiva pelo terceiro dia consecutivo. O volume de negócios chegou a R$263,812 milhões, o quarto maior da Bolsa. Para o analista da SLW Corretora Cauê Pinheiro, o fato de o preço da ação permanecer em um patamar elevado indica a expectativa do mercado de que o Casino aprove a fusão.

COLABOROU Lucianne Carneiro