Título: Tratamento à cubana para Chávez
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Fonte: O Globo, 01/07/2011, Opinião, p. 6
Vê-se agora que Cuba e Venezuela estão unidos na alegria e na doença. No mau sentido. O presidente Hugo Chávez, 56 anos, segue internado em Havana desde o dia 10 de junho, quando se submeteu a uma operação para, segundo a versão oficial, remover um abscesso pélvico. Em sua cabeceira está Fidel Castro, que este ano completa 85 anos e que, de 2006 a 2008, manteve o povo cubano e o mundo sem saber ao certo que doença o acometia.
Agora é a vez de Chávez. Tão pesado é o manto de segredo em torno da saúde do presidente que a Venezuela fervilha em especulações que vão desde um câncer de próstata a uma jogada eleitoral para voltar nos braços do povo, na hora em que se agravam os problemas dos apagões, da inflação e da insegurança no país. Não está descartada, inclusive, a hipótese de que retorne já a Caracas.
Chávez fez de Cuba sua fonte de abastecimento ideológico para criar o "socialismo bolivariano", mistura de nacionalismo populista com altas doses de autoritarismo, que exportou para Equador, Bolívia e Nicarágua. Em troca, passou a abastecer Cuba com petróleo a preço subsidiado, a fim de evitar que a ilha afundasse de vez na incúria stalinista. Os dois se entendem.
Cuba é um resquício da URSS no Caribe e, como tal, tratou da forma mais opaca possível a doença nos intestinos de Fidel que, em 24 de fevereiro de 2008, o levou a transferir todos os poderes ao irmão, Raúl. A Venezuela, confirmando o obscurantismo de regimes personalistas e autoritários, mantém o mesmo figurino cubano.
Muito diferente seria a situação se o país fosse democrático. A saúde do governante é uma questão de Estado, e dela a opinião pública tem o direito de ser informada. Como, na Venezuela, tudo gira em torno de Chávez, e ele, em 12 anos no poder, tratou de fortalecer os poderes em detrimento das instituições e dos partidos, o país não tem como lidar com o vácuo provocado pela prolongada ausência do comandante em chefe.
Chávez, no poder desde 1999, é candidato a um terceiro mandato de seis anos nas eleições presidenciais de 2012. Se sair desta, é claro. O chavismo se mostra atarantado, e a importância dos colaboradores do presidente é tão relativa que ele, embora enfermo, não transferiu o poder ao vice-presidente, preferindo "governar" de Havana, mediante autorização especial da Assembleia Nacional, onde sua bancada é avassaladoramente majoritária, por manobras eleitorais.
Na ausência do "inimigo", também a oposição exibe divisões internas e a falta de um líder forte, o que levou um deputado do governo a ironizar: "Estão sofrendo crise de abstinência." O governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, um dos líderes mais destacados da oposição, da qual busca ser candidato único em 2012, disse ao GLOBO estar convicto que a democracia prevalecerá. Otimista, acredita que, se Chávez ficar impossibilitado de governar, o vice-presidente Elias Jaua assumirá para completar o mandato.
Na usina de rumores em que se transformou a Venezuela, já circulou que Chávez nomearia, para substituí-lo, o irmão, Adán. Este é o que disse que, na ausência do líder, o recurso às armas seria melhor que eleições para manter as "conquistas bolivarianas" no rumo. Oxalá Capriles esteja certo.