Título: Inocentado na França, mas com futuro incerto
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 02/07/2011, O Mundo, p. 38

Para membros do Partido Socialista, ex-diretor do FMI, antes favorito, não deve concorrer à Presidência em 2012

MARTINE AUBRY: líder do Partido Socialista já se lançou candidata

FRANÇOIS HOLLANDE: marido de Ségolène Royal em alta nas pesquisas

deborah.berlinck@oglobo.com.br

PARIS. A acusação contra ele não foi retirada. Mas na França, Dominique Strauss-Kahn ou DSK, como ele é conhecido, foi inocentado. Nas televisões, nas rádios e nas ruas, só se falava nisso: humilhados publicamente pelos americanos, que se apressaram em condenar um dos políticos mais populares do país como um ¿pervertido¿, os franceses tiveram o primeiro gosto de revanche contra um país, os Estados Unidos, que eles admiram tanto quanto detestam.

A questão é: Strauss-Kahn tem alguma chance de voltar à cena política? Na sede do Partido Socialista, políticos nos bastidores dizem que sim ¿ se ele quiser ou puder, mas provavelmente não mais como candidato à Presidência da França. Por dois motivos: não há tempo, e as cartas do jogo foram redistribuídas, com os votos de DSK sendo divididos entre dois pesos pesados do partido, Martine Aubry e François Hollande. Aubry acaba de se lançar oficialmente candidata e, para isso, afastou-se provisoriamente do comando do partido. Já Hollande, o ex-marido de Ségolène Royal, derrotada em 2007, está crescendo nas sondagens.

Eleitores veem complô contra o francês

Outro elemento: pesquisas mostraram que a maioria dos franceses acredita num complô contra DSK. Apesar disso, a popularidade dele caiu. No partido, entretanto, há um grande alívio com as boas notícias de Nova York. Candidato ou não à Presidência, o escândalo significa uma mancha para um partido que tenta, sem sucesso, se reerguer de consecutivas derrotas nas eleições contra a direita francesa.

Não faltavam vozes, ontem, para propor uma mudança no calendário político do PS, de forma a permitir uma eventual volta triunfal de DSK como candidato à Presidência. Como Michèle Sabban, uma das mais fiéis escudeiras do ex-diretor-gerente do FMI. Ela reivindicou ontem que ¿se suspenda o processo das primárias¿ do partido.

Pelo calendário atual, a disputa interna no PS rumo à eleição presidencial de 2012 começa no dia 13 de julho, prazo final para os socialistas apresentarem as candidaturas. O candidato do PS será escolhido nas primárias de outubro. François Hollande disse que não tinha ¿reserva alguma¿ em relação a uma eventual mudança nas datas. Mas, na prática, muitos sabem que o tempo joga contra DSK. Mesmo que ele se livre de uma condenação penal, vai provavelmente enfrentar uma batalha civil ¿ ou seja, seu calvário judiciário pode se prolongar até o final do ano. Impossível adiar o calendário por tanto tempo.

O porta-voz do PS, Benoît Hamon, foi direto ao ponto:

¿ Isso (mudança de calendário) não está na ordem do dia.

Outro político influente no PS, Arnaud Montebourg, também disse não ver ¿razão alguma para mudar¿ o calendário das primárias. O deputado Daniel Goldberg, próximo de Martine Aubry, afirmou:

¿ Sou contra dizer: suspendemos as primárias. Eu não imagino ele (DSK) assumindo outro compromisso que não seja apoiar Martine Aubry.

Aliados recomendam tempo de reflexão

Ségolène Royal, depois de se declarar ¿muito feliz¿ com a libertação de DSK, julgou ¿muito precipitado¿ imaginar um eventual retorno de Strauss-Kahn à cena política francesa.

¿ Ele tem tempo de refletir e nos dizer o que deseja. Deixemos o tempo retomar seu ritmo, porque tudo o que ele passou agora é absolutamente assustador. Penso que humanamente, pessoalmente, isso (a volta à politica) não deve ser a prioridade dele ¿ disse.

Outro que julgou ¿muito cedo¿ para um retorno politico de DSK foi o ex-primeiro-ministro socialista, Lionel Jospin.

¿ Na hipótese de que Dominique se veja livre de todas as acusações, o que eu desejo ardentemente, caberá a ele determinar o que fazer depois de tal choque pessoal. E depois caberão aos socialistas decidirem ¿ disse Jospin.

Aubry, que tinha um pacto político com DSK ¿ de apoiar um ao outro ¿- se recusou a especular sobre as consequências da reviravolta no caso. Pela manhã, antes da libertação de Strauss-Kahn, ela reagiu assim à reportagem do ¿New York Times¿, que revelou dúvidas crescentes à credibilidade da camareira que se diz vítima de estupro:

¿ É a amiga de Dominique Strauss-Kahn que fala. Eu gostaria de dizer que as notícias que recebemos da imprensa americana nos dão uma enorme alegria.