Título: Diário cheio de buracos
Autor: Pariz, Tiago; Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2009, Política, p. 6

Levantamento feito pelo Correio revela novos indícios de fraudes na publicação de centenas de atos administrativos do Senado

Reunião da Mesa Diretora: na quarta-feira, senadores divulgaram a existência de novos atos secretos. Comissão de servidores investigará o caso

Cruzamento realizado pelo Correio no Diário Oficial (DO) do Senado entre 1997 e 1999 encontrou um verdadeiro buraco negro onde deveria haver a publicação de atos administrativos. No período de 14 de agosto a 5 de outubro de 1998, não houve a devida publicidade de 396 decisões que esconderam aumentos retroativos e nomeação de servidores. O indício de que houve fraudes no DO é matemático. Entre esses 52 dias, apenas duas edições da publicação saíram das gráficas. O último ato assinado pelo então diretor-geral, Agaciel Maia, no jornal de agosto foi o de número 1.320. Na edição seguinte, o número saltava para 1.716.

O alerta do lapso administrativo foi repassado por funcionários da Casa debruçados sobre a análise dos atos secretos. Esse rastro da ilegalidade no Senado se arrasta há mais de uma década, sem que ninguém, senador ou servidor, tenha percebido a grosseria estampada nas páginas do jornal oficial da Casa.

Em reunião da Mesa Diretora na quarta-feira, foram divulgados que 468 novos atos secretos se somam aos já conhecidos 663 ¿ dos quais 119 foram revalidados ¿, totalizando 1.131. Essa nova leva foi revelada a partir da republicação de 50 boletins de 1998 a 2001 depois de ter estourado o escândalo dos atos secretos. Desses boletins, 10 compreendem o período do buraco negro detectado pelo Correio. E confirmam a suspeita de fraude no DO. Em um deles, por exemplo, constam 20 decisões sobre movimentações de funcionários.

O presidente do Senado à época era Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), morto em 2007, e a cúpula administrativa da Casa já era composta por Agaciel Maia, na Diretoria-Geral, e João Carlos Zoghbi, responsável pela área de Recursos Humanos. A investigação do caso suspeita que as brechas do DO eram escolhidas a dedo entre uma edição e outra, confiando que ninguém lia ou checava a publicação oficial.

Passe livre

Esses 10 boletins são exemplos de que Agaciel Maia, instalado na Diretoria-Geral em 1995 pelo senador José Sarney (PMDB-AP), tinha passe livre para mandar e desmandar em nomeações e exonerações. O primeiro-secretário da Casa, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), atribui a inserção dos novos atos secretos na rede interna do Senado em meio à crise ao grupo de Agaciel. ¿Não tenho dúvida, os culpados são ele (Agaciel) e os que participavam da gestão anterior¿, disse. ¿São atos de sabotagem e molecagem de servidores que acham que vão voltar ao poder¿, acrescentou.

Heráclito determinou a instalação de uma comissão de inquérito formada por servidores para apurar os responsáveis pelo que classificou de ¿sabotagem¿. Até agora, não foi tomada nenhuma decisão sobre se esses atos serão cancelados. Entre as decisões, estão a criação de funções comissionadas e aumentos retroativos. Um exemplo de beneficiados é Ronaldo da Cunha Lima Filho, nomeado para trabalhar no gabinete do pai, o então senador Ronaldo da Cunha Lima. Também foram autorizadas pelos boletins sigilosos a construção de um prédio de três andares para abrigar a sede do Interlegis e a reforma do Prodasen.

A constatação do Correio contrasta com a informação dada pelo diretor-geral do Senado, Haroldo Tarja, que enfatizou não haver garantia de que a nova leva é realmente secreta, lembrando que os atos poderiam ter sido divulgados no DO.

LANDIM ADMITE IRREGULARIDADES Numa reunião reservada da cúpula administrativa do Senado, ontem, o chefe do Serviço de Publicação de Boletim Pessoal, Franklin Paes Landim, admitiu ter inserido na rede interna da Casa atos secretos a pedido de Ralph Siqueira, ex-diretor de Recursos Humanos, que deixou o cargo em junho. Ralph chegou ao cargo depois da queda do antecessor João Carlos Zoghbi. A apuração da comissão que analisava a primeira leva dos atos secretos fez a contabilidade até 12 de julho, um domingo. Na segunda-feira seguinte, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anunciou a anulação dos 663 atos secretos editados desde 1995. Contudo, Franklim admitiu ter enxertado, na quarta-feira, 15 novos atos. A confissão será investigada pela comissão de servidores instituída pelo primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), para investigar os novos 468 atos secretos.

Estudantes detidos no Senado José Cruz/ABr

Dez estudantes que realizaram protesto contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), nos corredores da Casa, foram detidos com violência na tarde de ontem pela Polícia Legislativa. O grupo chegou a se posicionar em frente ao gabinete de Sarney. No momento em que abriram folhas de papel com palavras de ordem, foram contidos pelos policiais. O regimento interno da Casa proíbe manifestações dentro do prédio. Os manifestantes só deixaram as dependências policiais três horas depois. Foi preciso a intervenção do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e do líder tucano Arthur Virgílio (AM) para livrar os estudantes. Os dois disseram que vão pedir hoje o afastamento do chefe da Polícia Legislativa, Pedro Ricardo Carvalho, por causa da forma truculenta no trato com os manifestantes.