Título: Para que nunca mais aconteça
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Fonte: O Globo, 02/07/2011, Opinião, p. 6

Em números absolutos, os autores dos maiores crimes contra a Humanidade foram o chinês Mao Tsé-tung, o georgiano Josef Stalin (líder da URSS) e o austríaco Adolf Hitler. Mas, em percentual da população, superou-os Pol Pot, que assassinou 2 milhões de pessoas quando comandou o regime maoísta do Khmer Vermelho, entre 1976 e 1979, no Camboja. Ele e seus asseclas dizimaram um quarto da população do país. Pol Pot morreu em 2008, sem chegar a ser julgado. Os quatro líderes sobreviventes foram apresentados, em Phnom Penh, a um tribunal especial criado pela ONU, em 2006, e que já custou mais de US$100 milhões. Os quatro, entre eles o ex-chefe de Estado Khieu Samphan, têm entre 79 e 85 anos, e a previsão é que seu julgamento dure até quatro anos.

Geralmente, a utopia da criação do ¿homem novo¿ está envolvida nesses casos de regimes que recorrem ao morticínio. Mao iniciou, a partir de 1950, um programa de reforma agrária e coletivização da agricultura que provocou a maior fome da História. Em meados dos anos 60, lançou a Revolução Cultural para preparar a população chinesa para o socialismo. Atribuem-lhe mais de 50 milhões de mortes.

Para fazer triunfar o socialismo e elevar a URSS a potência, Stalin passou como trator sobre tudo e todos, implantando um regime de terror, e também de fome. Estão na biografia dele mais de 40 milhões de cadáveres. Hitler foi o responsável pela deflagração da Segunda Guerra Mundial e pela política alemã de genocídio de judeus, ciganos, deficientes físicos e mentais, dissidentes políticos, homossexuais e outras minorias, em nome da superioridade ariana. Responde por 21 milhões de mortes. O Khmer Vermelho chegou ao poder no Camboja em 1975 e liderou um governo comunista radical, responsável pela retirada em massa da população das cidades e seu envio à força para ¿campos de reeducação¿ no interior, para criar uma sociedade sem classes, uma utopia agrária. Isso envolveu assassinato em massa, uma onda de fome, doenças e brutal repressão. A barbárie foi parcialmente estancada por uma invasão vietnamita, em 1979, que derrubou o Khmer. Pol Pot, porém, fugiu para a selva e continuou uma guerra de guerrilhas assassina até ser neutralizado, em 1997. Mais de três décadas depois, os efeitos do trauma ainda são fortes no Camboja. O atual premier, ex-militar do Khmer, se opõe a esforços para ampliar a ação do tribunal, insistindo que não haja mais culpados em julgamento além dos quatro. Embora pareçam, essas tragédias não estão distantes e fazem triste companhia a outras mais recentes, como os genocídios na ex-Iugoslávia e em Ruanda, no fim do século passado, e no Sudão, já neste século. E ainda se percebe, em alguns projetos de poder, a ideia da criação do ¿novo homem¿. Por isso, reveste-se de máxima importância a estruturação de uma justiça internacional apoiada por todos ¿ o que ainda não é o caso do Tribunal Penal Internacional, que atua na questão do Sudão e iniciou os trâmites para julgar a liderança da Líbia. O avanço dos esforços para proteção dos direitos humanos são imunizantes contra as perigosas utopias do ¿novo homem¿, que terminam em assassinatos em massa. Mas o melhor de todos os antídotos são o conhecimento da História e a defesa da democracia.