Título: O emblemático exemplo da Ambev
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 02/07/2011, Economia, p. 31

Brasileiros ficaram com fatia menor do que os belgas na InBev, mas cervejaria não tomou dinheiro do BNDES

SÃO PAULO. O apelo do empresário Abilio Diniz contra a "desnacionalização do varejo nacional" para justificar a participação da BNDESPar numa possível fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour remete imediatamente à criação da AmBev, a gigante brasileira do mercado de cerveja que nasceu da fusão da Brahma com a Antarctica. "Uma multinacional verde-amarela" era o slogan usado em 1998 pelos empresários Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, os mentores da operação, para convencer o Cade a aprovar o negócio. Quatro anos depois, porém, a AmBev foi incorporada pela gigante belga Interbrew, dona da lendária cerveja Stella Artois.

Com a transação, Lemann, Telles e Sicupira uniram a marca do grupo nacional ao belga, e a nova empresa foi batizada de InBev. Eles também passaram a partilhar o controle da companhia, mas com uma fatia menor de capital que seus pares europeus: tinham 44% do capital da Stichting Interbrew, a holding controladora, enquanto as famílias belgas tinham 56%.

¿ A diferença com a operação proposta pelo Pão de Açúcar é que Lemann e seus sócios fizeram a fusão da AmBev sem dinheiro do BNDES, e seus executivos foram administrar a InBev ¿ diz um analista que prefere não se identificar, ressalvando: ¿ Mas os dois casos não são exatamente parecidos, porque a AmBev só foi vendida após alguns anos, e o Pão de Açúcar está sendo vendido de cara.

Pelos termos da proposta de fusão apresentada ao mercado esta semana, depois de todo um processo de reestruturação societária do Pão de Açúcar, e apesar do aporte de R$4,6 bilhões do BNDES e do BTG Pactual, os franceses Casino e Carrefour ficariam com a maior fatia do capital da nova supervarejista: somadas, as participações de ambos chegariam a 63,3% do capital total, sendo 19,3% do Casino e 44% do Carrefour.

¿ Essa proporção leva em conta uma participação de 11,7% do Novo Pão de Açúcar (NPA), no Carrefour França. Mas essa fatia pode chegar a 18%, e a relação mudaria ¿ ressalta um executivo que participa da operação.

Arthur Barrionuevo, professor de concorrência e regulação da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, também vê mais diferenças que semelhanças nos dois casos.

¿ A AmBev usou isso (a fusão) para construir uma posição dominante no mercado interno de cerveja e depois foi vendida para uma companhia estrangeira ¿ diz Barrionuevo. ¿ A concentração que se vai ter no varejo, caso a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour aconteça, não chega perto da que a AmBev gerou.

Mesmo tendo sido obrigada pelo Cade a se desfazer de algumas marcas, a AmBev sempre deteve uma fatia entre 60% e 70% do mercado nacional de cervejas. Questionada sobre o controle estrangeiro de seu capital, a AmBev informou que, depois da incorporação da americana Anheuser-Busch, em 2008, o trio brasileiro passou a ter a maior fatia das ações de controle da multinacional belga.

Mas a principal questão a que o recente movimento de concentração de mercado no Brasil remete, segundo Barrionuevo, é a falta de clareza dos critérios que o governo vem seguindo ao endossar tais operações. O governo criou o Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP) como balizador de políticas de estímulo a setores estratégicos, lembra o economista, mas o BNDES tem participado com maciças injeções de capital em empresas fora do seu escopo. Caso da fusão de Oi com a Brasil Telecom e da JBS com a Bertin. Hoje o BNDES tem mais de 30% do capital do JBS Friboi. (Ronaldo D¿Ercole e Paulo Justus)