Título: Doença não espera. Quem espera com ela morre
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 03/07/2011, O País, p. 3
Pernambuco: 17% de aparelhos quebrados
RECIFE. Moradora de Vitória de Santo Antão, a 50 km de Recife, a dona de casa Severina da Silva Nascimento, de 56 anos, fez três viagens à capital no ano passado para fazer uma mamografia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Sem sucesso:
- Vim três vezes, mas o mamógrafo estava quebrado. Hoje vim trazer meu marido que está doente, mas esqueci o cartão e não pude remarcar a data - queixava-se ela, enquanto esperava.
Em Pernambuco, auditoria do Ministério da Saúde divulgada em junho constatou que 17% dos mamógrafos da rede pública de saúde ou de clínicas conveniadas com o SUS estavam quebrados. A Secretaria de Saúde do Estado contesta: diz que não há déficit e que só 3% estão ociosos, por problemas de manutenção.
Mas, dos 64 mamógrafos em operação, 36 concentram-se na Região Metropolitana, o que provoca transtornos para quem reside no interior. Em 2010, o mamógrafo do HC passou o ano quebrado. Quando começou a funcionar de novo, a demanda reprimida era tão grande que o HC realizou mutirões nos sábados em abril e planeja outro para agosto. O HC faz 300 mamografias por mês; com o mutirão, chegou a 400.
- O aparelho tem boa resolução, mas é antigo. Tem mais de uma década de uso, e trabalhamos com o coração na mão, temendo que ele pife de novo - diz o chefe da Radiologia do HC, Paulo Borba.
As agricultoras Maria Auxiliadora Souza Silva, 50 anos, e Rosilda Clarice dos Santos, 49 anos, estão com o exame em atraso. Elas moram em Pombos, cidade sem médicos especialistas, e procuram atendimento em outras cidades.
- A gente mente dizendo que mora lá. Não consegue consulta porque mora em outro município. Nessa brincadeira, são cinco anos sem mamografia - diz Maria.
No Hospital Barão de Lucena, conveniado com o SUS, pacientes reclamaram que a marcação de mamografias estava suspensa semana passada por excesso de demanda. A direção do hospital nega e diz que não há fila. Mas Amara Josefa Santos da Silva, 48, já tentou marcar o exame por três vezes.
Com média de 3 mil mamografias por mês, o Hospital do Câncer de Pernambuco tem corredores lotados toda manhã. Da triagem, as mulheres são enviadas para a mamografia. A maior parte faz o exame. O problema é depois. A dona de casa Elieje Maria da Silva, 64, fez mamografia em outubro de 2009 e só conseguiu atendimento para mostrar o resultado na última quinta-feira. A mamografia estava vencida e exigiram outra:
- Fico muito aperreada (aflita) por uma espera tão grande para mostrar o exame, porque a doença não espera. Quem espera com ela morre - diz Elieje.
O Hospital do Câncer confirmou que a agenda deste ano está lotada, mas diz que casos sob suspeita têm prioridade. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, em 2010 foram realizadas 116,6 mil mamografias na rede pública ou conveniada com o SUS. Em 2009, foram 122,2 mil exames realizados. O estado informa não ter como precisar a quantidade de mulheres à espera do exame nem o tempo na fila.
Em março de 2010, a faxineira Marlene Prudêncio dos Santos, 41 anos, foi ao posto de saúde e foi aconselhada a fazer a mamografia. Esperou oito meses e recorreu à rede particular:
- Uma vez meu marido passou a noite toda em uma fila no Hospital Osvaldo Cruz e fui rendê-lo. Fiquei das sete da manhã às três da tarde e não consegui.
A boa notícia é que os nódulos não eram malignos. Mas o susto foi grande, e a espera, dolorida.