Título: Rio tem maior mortalidade por câncer de mama, e detecção precoce é falha
Autor: Benevides, Carolina; Rodrigues, Karine
Fonte: O Globo, 03/07/2011, O País, p. 4

Demora para realizar mamografias pelo SUS preocupa mulheres

Há pelo menos duas décadas, o Estado do Rio lidera a taxa de mortalidade por câncer de mama no país. De acordo com os dados do Atlas da Mortalidade, entre 1998 e 2008, foram registradas 19,28 mortes por 100 mil mulheres. Mas apesar de a detecção precoce ser importante - pode reduzir em 30% o número de novos casos e em até 40% a mortalidade, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca) -, ainda é comum encontrar mulheres que são obrigadas a aguardar meses para conseguir fazer uma mamografia.

No Estado do Rio, segundo estimativas do Inca, devem surgir este ano 7.410 casos novos de câncer de mama, sendo que mais da metade - 4.010 - na capital. O instituto recomenda que mulheres com lesões suspeitas ou nódulos palpáveis recebam o diagnóstico em, no máximo, 60 dias, e diz que atrasos no tratamento, entre 3 e 6 meses, comprometem a sobrevida das pacientes.

- O parâmetro é esse, mas quanto antes melhor. O ideal é que seja conseguido até em tempo menor - diz Luiz Antônio Santini, diretor-geral do Inca, que explica que o prazo de 60 dias é baseado em experiência do sistema inglês de saúde.

No entanto, em 2010, quase 20% das brasileiras com anormalidades sugestivas de câncer de mama, atendidas em unidades do SUS ou conveniadas, aguardaram mais de dois meses entre o dia em que a mamografia foi requisitada pelo médico e a realização do exame. A constatação é baseada no Sistema de Informações sobre o Câncer de Mama (Sismama), criado em junho de 2009, por Inca, Ministério da Saúde e DataSUS, e que ainda está sendo aprimorado.

No Brasil, nódulos são descobertos mais tardiamente

No Hospital Municipal da Piedade, na Zona Norte, o mamógrafo está quebrado há oito meses. Chefe do setor de ginecologia, Roberto Carvalhosa, médico há 32 anos, lamenta não fazer mais diagnósticos precoces, e lembra que o aparelho realizava entre 30 e 40 exames por dia.

- O mamógrafo quebrado impede que a gente veja as lesões precoces e que opere antes que seja preciso fazer uma mastectomia (retirada completa da mama) - diz Roberto. - É um dissabor ver uma paciente ter seu prognóstico mudado porque não fez o exame, porque esperou demais.

Sem poder aguardar mais, Maria Sebastiana Correia, de 69 anos, que em abril esteve na unidade e descobriu "alguns caroços no seio", fez o exame semana passada numa clínica particular e pagou R$78.

- Minha mãe ganha um salário, eu estou desempregada, mas a gente viu que ou pagava ou ficaria sem o exame. Os médicos aqui fazem o que podem, mas a gente nem tinha previsão de conseguir na rede pública. O tempo passa e a doença piora, né? - diz Rosane Carneiro, de 49 anos, filha de Maria Sebastiana.

Na fila há dois meses, Vilma Maria Gomes, de 52 anos, já operou um nódulo e não vê a hora de realizar o procedimento:

- É uma agonia ficar esperando e não ter prazo.

Esperar também é a rotina de Jussara Pereira, de 47 anos:

- Eu me trato há anos nesse hospital, e este ano está demorando. A gente só fica tranquila quando faz, quando sabe que o médico vai ver.

- O governo federal fala sobre a importância de ter um diagnóstico precoce, mas estamos há quase um ano sem o aparelho - diz Guilherme Machado, chefe da Residência em Ginecologia no Hospital Piedade, que é hospital-escola. - Éramos um polo de mama e hoje o movimento já diminuiu.

Em nota, a Secretaria municipal de Saúde disse que: "Em caso de suspeitas, a paciente faz exames, marcados pela sua própria unidade pelo Sistema de Regulação. Quando há suspeita de câncer de mama, a mamografia de diagnóstico, feita nas unidades conveniadas, leva, em média, cerca de 10 dias para ter seu resultado pronto. O agendamento das pacientes com diagnóstico de câncer é feito pelo Sistema de Regulação, e o intervalo atualmente está em torno de 7 a 10 dias". Sobre o mamógrafo sem uso no Hospital da Piedade, explicou que "aconteceu o furto das ampolas do equipamento. A SMSDC encomendou junto ao fabricante novas ampolas, porém, por tratar-se de peças comercializadas fora do país, aguardam trâmite de importação".

Segundo a Lei 11.664, de 2008, todas as mulheres acima de 40 anos têm o direito à mamografia gratuita. Na faixa etária entre 50 e 69 anos, a mulher deve fazer o exame a cada dois anos. Cumprir essa recomendação não tem sido fácil para Maria Oliveira, de 62 anos. Como ocorreu em 2009, ela está amargando uma longa espera. Moradora do Catete, na Zona Sul, ela procurou um posto de saúde em abril. Conseguiu marcar para 18 de julho, no Cachambi, na Zona Norte.

- É sempre uma demora. Em 2009, fui encaminhada para a Tijuca. Agora, além de esperar, vou ter que ir para bem longe - conta Maria, que na última quinta-feira aguardava para fazer uma ultrassonografia no Hospital Municipal Rocha Maia, em Botafogo.

- Entra ano, sai ano, é a mesma coisa: entra na fila para fazer a triagem, perde o dia de trabalho, consegue um pedido para daqui a não sei quanto tempo e fica nisso. É desmotivante. Não faço mais - diz Paula, da faixa etária de risco.

Quando, por dificuldades no atendimento público, a paciente desiste de fazer a investigação da mama, ela fica mais exposta ao risco de não descobrir o tumor em uma fase inicial. No Brasil, segundo o Inca, os nódulos malignos costumam ser descobertos mais tardiamente. Mas quanto mais cedo forem detectados, maiores as chances de cura e menor a necessidade de intervenção.

De acordo com auditoria realizada pelo Ministério da Saúde, a quantidade de mamógrafos é maior do que a necessária. Para Santini, a demora pode ter muitas razões:

- Pode demorar por falta de organização do sistema e falta de informação adequada para as pessoas em relação a quem deve fazer a mamografia e em que momento.