Título: Luxo e produtos de beleza
Autor: Herdy, Thiago
Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2009, Brasil, p. 8

Condenado por comercializar remédios falsos, dono de distribuidora vira representante de cosméticos

José Celso Machado, antigo dono da ação dinâmica medicamentos, que ignorou proibição da anvisa

Belo Horizonte ¿ Acusado pela Justiça de distribuir 27.740 caixas de remédio falsificado de combate ao câncer de próstata, da marca Androcur, o empresário José Celso Machado de Castro não pagou indenizações às vítimas, recorre em liberdade da sentença da Justiça de São Paulo que o condenou a 16 anos de prisão, e leva uma vida de luxo em Belo Horizonte.

Na mesma rua do Bairro Floresta, na capital mineira, onde funcionava a Dinâmica Medicamentos ¿ empresa de onde os falsificados saíram para ser entregues a pacientes de todo país ¿, ele abriu a Look Distribuidora de Cosméticos e Equipamentos Ltda. A empresa é representante em Minas da marca de cosméticos alemã Schwarkopf, mas não tem autorização para distribuição de produtos de beleza por parte da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme determina a Lei 9.782/99. A informação foi confirmada pelo próprio órgão de vigilância.

Alvo de processos de indenização por danos morais e materiais, José Celso tomou o cuidado de colocar 99% das ações da nova empresa no nome da sogra, Ireni Nunes Rosa, 67 anos, que vive em Anápolis (GO). A Look foi registrada em 2007, conforme documentos da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais. O empresário se locomove em uma caminhonete de luxo importada, modelo Hyundai Santa Fé, ano 2008, registrada em nome da empresa. O veículo custa R$ 90,8 mil, valor 45 vezes maior que a pensão paga mensalmente pelo INSS à viúva do ex-prefeito de Timóteo, na Região do Vale do Aço, Antônio Dias Martins, de 62 anos. Dias comprou remédio falsificado para câncer na farmácia mantida pelo empresário e a família nunca recebeu indenização do distribuidor do medicamento.

Na sede da Look, situada na Rua Mucuri, 255, a distribuidora de cosméticos funciona ao lado de salas onde são ministrados cursos de aperfeiçoamento para cabeleireiros. À frente da nova empresa, José Celso mantém o mesmo estilo desinibido da época em que comandava a Dinâmica Medicamentos e patrocinava eventos para os funcionários nos principais teatros de Belo Horizonte, como Alterosa e Minascentro. Em junho deste ano, fretou uma aeronave para levar seus clientes a um evento de beleza promovido por ele no Grande Hotel Araxá, a 367km.

O empresário divide a gestão da empresa com a mulher, Maria Hely Rosa de Castro, de 48 anos, que no passado também foi citada como réu em algumas das ações envolvendo a distribuição do Androcur, porque tinha bens em seu nome. O casal passa os fins de semana na luxuosa propriedade que mantém em Quinta do Sumidouro, distrito de Pedro Leopoldo, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O terreno, de 5.900m², deixou de ser um modesto sítio quando recebeu benfeitorias como jardins, cascatas em estilo japonês, piscina e minicampo de futebol.

José Celso também é dono de outra propriedade da região, que abriga cavernas e formações rochosas, entre elas a Gruta do Baú. Segundo o Cartório de Registro de Imóveis de Pedro Leopoldo, as propriedades do casal na região não podem ser vendidas, porque estão bloqueadas pela Justiça. Mas, enquanto conseguirem protelar as decisões judiciais envolvendo o Androcur, nada o impede de continuar frequentando as propriedades.

A reportagem deixou sete recados com a secretária da administração da Look, desde o início da tarde de ontem, pedindo esclarecimentos sobre a falta de autorização da Anvisa, mas ninguém da empresa retornou. No início da semana, Maria Hely disse, pelo telefone, que seria muito desgastante falar sobre assuntos relacionados ao Androcur. ¿Se tivesse coisas boas para dizer, teria prazer em falar. Mas esse é um assunto difícil, os processos renascem todos dias. A gente vive com muito trabalho e falta de dinheiro¿, disse. Em abril deste ano, José Celso foi entrevistado por uma revista especializada em cosméticos e beleza, ocasião em que foi apresentado como um empresário visionário e vencedor do prêmio de distribuidor do ano da marca Schwarkopf. Questionado sobre o segredo para fazer sucesso como distribuidor de produtos de beleza, respondeu: Em primeiro lugar, é necessário ter muito respeito pelo cliente.

A Botica Ao Veado D¿Ouro e laboratório Veafarm produziram placebos como se fossem Androcur, usado no tratamento de câncer. Quase 1 milhão de comprimidos foram fabricados. O medicamento foi enviado à distribuidora Ação Dinâmica Medicamentos, de Belo Horizonte, que os comprou por preços menores que os praticados pelo fabricante (Schering do Brasil). Os produtos foram revendidos a hospitais. Quando a polícia descobriu, a Anvisa interditou o lote 351 do medicamento. A Ação Medicamentos ignorou e continuou comercializando o lote

Fraude descoberta pela TV

Élida Dias, 42 anos, Timóteo (MG)

Naquela noite de 1998, Antônio assistiu à antecipação da notícia da própria morte no Jornal Nacional. Ouviu com a mulher e a filha a chamada para uma reportagem sobre a falsificação de um lote de remédio usado contra o câncer. Escutou a referência ao lote 351. Conferiu se era o mesmo que tomava havia dois meses, e estava guardado no armário. ¿Ele não falou nada. Olhou para mim e balançou a cabeça. Como quem diz `é o remédio que eu tomo¿¿, lembra a filha, a cabeleireira Élida Dias, 42 anos.

Com pouco mais de 20 anos, Antônio saíra de Açucena, no interior de Minas, para trabalhar na barbearia da Acesita, em Timóteo. Ganhou dinheiro suficiente para tirar o pai e os irmãos da roça. Fez a 5ª série quase aos 30 anos, formou-se em matemática. Virou professor e diretor da principal escola da cidade. Ganhou uns trocados como corretor de imóveis, teve casa de seresta, foi vereador e até prefeito, período em que determinou a construção da rodoviária da cidade.

A casa onde morava com a mulher e os sete filhos estava sempre lotada para partidas de baralho, churrascos ou as serestas. Mas, duas vezes na vida, reuniu a família para encontros sérias: no primeiro, contou que estava com câncer; no segundo, que o tratamento não surtiria efeito, porque o remédio que comprara na Distribuidora Ação Dinâmica, em Belo Horizonte, era falsificado. Buscara o medicamento na capital porque não queria que as pessoas da cidade soubessem da doença do cidadão ilustre. Na reunião, disse que não queria ver ninguém triste.

Morreu em 18 de maio, data que o filho Marcelo Dias, 38 anos, não esquece, afinal, seu casamento estava marcado para cinco dias depois. O velório lotou o ginásio da cidade. A mãe teve que aprender a cumprir tarefas como ir ao banco e pagar contas, no lugar das serestas e viagens com o marido. A casa, antes cheia, permanece vazia, porque ninguém consegue chegar até o portão e não chorar de saudade. Os filhos desistiram de acompanhar o andamento das ações na Justiça contra os responsáveis pela falsificação. ¿Eles mataram dezenas de pessoas e usam recursos para se safar. Será que ainda vai dar tempo? Vão estar vivos para pagar?¿