Título: Governo em guerra com bancos privados
Autor: Bancillon, Deco; Cristino, Vânia; Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2009, Economia, p. 13

Ministro da Fazenda critica Roberto Setúbal e diz que concorrentes vão comer poeira

Guido Mantega avisa: ¿É bom que os privados se acautelem, porque, se não, vão perder mais mercado¿

O governo declarou guerra aos bancos privados. Se, no auge da crise mundial, no fim do ano passado, o presidente Lula baixou ordem para que o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal ampliassem a oferta de crédito e reduzissem o spread (diferença entre o que pagam aos investidores e o que cobram dos devedores) e as taxas de juros para irrigar a economia, dentro do conjunto de políticas anticíclicas, agora, a ordem é tomar mercado sem dó nem piedade. Essa orientação foi fechada ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em retaliação às declarações do presidente do Banco Itaú, Roberto Setúbal. Há dois dias, quando anunciou a queda no lucro de sua instituição, o banqueiro disse que a política de juros e spread mais baixo dos bancos públicos não era sustentável.

¿O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, se equivocou. Ele perdeu a oportunidade de não se equivocar¿, disse Mantega, ao comentar o fato de o BB ter retomado o posto de maior banco do Brasil, depois de tê-lo perdido em novembro do ano passado, diante da fusão das instituições controladas pelas famílias Setúbal e Moreira Salles. ¿Ele (Setúbal) não esperou o resultado do Banco do Brasil. Falou antes de ver o resultado e, portanto, cometeu uma falácia, um erro grave¿, atacou. Na avaliação do ministro, em vez de questionar a qualidade das operações das instituições estatais, o Itaú Unibanco deveria fazer o mesmo que fez o BB: aumentar o crédito, baixar os juros e ter um lucro maior, com a inadimplência em queda. ¿Ele e todos deveriam seguir esse exemplo. Porque, se não seguirem o exemplo, vão começar a comer poeira dos bancos públicos¿, avisou.

Mantega assegurou que os bancos públicos foram os principais responsáveis pela recuperação do crédito na economia. Segundo ele, o volume de recursos ofertados por essas instituições cresceu 25% de setembro de 2008 a junho deste ano, enquanto o dos privados variou entre 2,5% e 3%. ¿Essa expansão se deu de maneira sustentável¿, afirmou. Nas contas do Banco Central, entre julho do ano passado e junho de 2009, a participação dos bancos públicos no crédito saltou de 34,5% para 38,6%. Já a parcela das instituições privadas recuou de 44,1% para 41,6% e a dos estrangeiros, de 21,4% para 19,8%. ¿Isso mostra que nem sempre dá certo aquela tática de diminuir o crédito e subir spread. Então, é bom que os privados se acautelem, porque, se não, vão perder mais mercado¿, ameaçou.

Para o presidente da Consultoria LatinLink, Ruy Coutinho, finalmente está havendo concorrência no sistema bancário brasileiro. ¿A postura agressiva, mas responsável, dos bancos públicos obrigará as instituições privadas a fazerem o mesmo. Ou seja, baixar juros e ampliar a oferta de crédito, beneficiando os consumidores¿, disse. Na opinião de José Luiz Rodrigues, sócio da Consultoria JL Rodrigues, a competição imposta pelos bancos estatais é saudável, ¿e as instituições que não entrarem no jogo serão as grandes perdedoras¿.

Concorrência furiosa

No BB, o clima é de euforia e satisfação. Além de voltar ao topo do ranking brasileiro, a instituição assumiu o posto de maior banco da América Latina e o sétimo das Américas (incluindo os Estados Unidos), com ativos de R$ 598,8 bilhões contra os R$ 596,4 bilhões do Itaú Unibanco. O lucro líquido do BB no segundo trimestre do ano, de R$ 2,9 bilhões, superou em 42,8% o resultado do mesmo período de 2008 e em 41% o montante apurado no primeiro trimestre. Nos primeiros seis meses de 2009, os ganhos da instituição totalizaram R$ 4 bilhões. No segundo trimestre, o lucro do Itaú Unibanco caiu 8% ante o computado entre abril e junho de 2008.

Animado, o presidente do BB, Aldemir Bendine, provocou os competidores: ¿Cada vez mais, quero que a concorrência fique furiosa conosco. E vamos caminhar para ser o maior banco das Américas¿. Segundo Bendine, o Banco do Brasil conseguiu dar a volta por cima porque foi ousado, acreditou nos fundamentos da economia e na capacidade técnica do seu corpo de funcionários. ¿O BB não se acovardou, deu um passo à frente e demonstrou capacidade de reagir rápido à crise¿ afirmou.

A crise econômica, aliás, contribuiu para o resultado do banco, pois levou muitos depositantes a procurarem a instituição em busca de segurança. Assim, com mais dinheiro em caixa, o BB elevou o saldo da carteira de crédito em 32% nos últimos 12 meses, chegando a R$ 265 bilhões, e a sua participação nesse mercado, de 16,9%, em junho de 2008, passou a 18,7% em junho último.

Bendine fez questão de destacar que a ampliação da oferta de crédito foi feita sem abrir mão da qualidade da carteira e da boa técnica bancária. Logo que tomou posse, Bendine, conhecido no governo como Dida, foi acusado de ser um agente dos interesses do governo, que queria os bancos oficiais na ponta do crédito farto e barato, o que empurraria tais instituições para uma zona perigosa.¿ A boa técnica bancária está no DNA da instituição¿, garantiu. Para provar que fez o que o mercado não teve coragem e, mesmo assim, colheu frutos, o presidente do BB ressaltou os dados da inadimplência.

Os maiores(*)

Instituições - Ativos totais (Em R$ bilhões) Banco do Brasil - 598,8 Itaú Unibanco - 596,4 Bradesco - 482,4 Santander-Real - 315,3 (*) Dados referentes a junho de 2009 Fonte: Bancos

Bovespa atinge 57 mil pontos

Pela primeira vez neste ano, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) bateu nos 57 mil pontos, nível que havia atingido em agosto do ano passado, antes do estouro da crise mundial. O Ibovespa(1), principal índice do mercado, encerrou a quinta-feira com alta de 0,81%, influenciada pela valorização das ações da Vale, da Petrobras e das siderúrgicas. No mês, o ganho acumulado está em 4,17% e, no ano, em 51,93%. O volume de negócios totalizou R$ 5,764 bilhões.

O destaque foi o anúncio da alta de 41% no lucro do Banco do Brasil no segundo trimestre em comparação ao primeiro. Os papéis do banco subiram 2,38%. No mercado de câmbio, o dólar encerrou o dia cotado a R$ 1,832, com recuo de 0,11%. Já no segmento dos juros, as taxas consolidaram a trajetória de queda, diante dos dados fracos das vendas do varejo nos Estados Unidos, da informação de que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, teria sinalizado ao presidente Lula que há ainda espaço para cortes na Selic e do cenário positivo para a inflação.

Por um lado, a quinta-feira foi favorecida por dados indicando a recuperação da economia europeia. Alemanha, França e Portugal anunciaram crescimento de 0,3% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, invalidando as projeções que indicavam recessão. Também a zona do euro entregou números melhores do que o previsto: o PIB caiu 0,1%, ante previsão de queda de 0,4%.

Esses números ampliaram o apetite pelo risco, fizeram o dólar cair e as commodities, subirem. Por outro lado, os indicadores norte-americanos ruins ¿ retração de 0,1% nas vendas do varejo em julho e aumento no pedido de auxílio-desemprego ¿ provocaram instabilidade no mercado. Depois de alguma oscilação entre altas e baixas, a bolsa de Nova York fechou o pregão com valorização de 0,39%.

1 - Desempenho É um dos principais índices de desempenho médio das cotações do mercado de ações brasileiro. Corresponde ao valor atual, em moeda corrente, de uma carteira teórica de ações constituída em 2 de janeiro de 1968, a partir da aplicação hipotética de 100 unidades monetárias da época. Em termos de representatividade, o Ibovespa busca apresentar uma configuração que espelhe com a máxima fidelidade o real comportamento das ações negociadas no mercado à vista.