Título: Artilharia francesa
Autor: Camarotti, Gerson; Justus, Paulo
Fonte: O Globo, 05/07/2011, Economia, p. 17

BRIGA DE GIGANTES

Casino diz ao BNDES que quer assumir Pão de Açúcar e fusão com Carrefour fica mais distante

O Casino deixou claro que fará de tudo para barrar a fusão de seu arquirrival Carrefour com o grupo Pão de Açúcar. Em reunião ontem à noite com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, num tom bastante incisivo, teria afirmado que não abre mão do direito de assumir o controle do Pão de Açúcar a partir de 2012, como prevê o acordo de acionistas. Naouri disse a Coutinho confiar nas instituições brasileiras e no cumprimento de contratos, insistindo que o banco não financie o negócio. A reunião entre Naouri e Coutinho durou menos de uma hora, na sede do banco, no Rio.

O BNDES, que poderá injetar de R$3,9 bilhões a R$4,5 bilhões na fusão Pão de Açúcar-Carrefour, deixou claro que não entrará na operação sem o consenso. Fontes ligadas ao banco acreditam que, com a intransigência de Naouri, a concretização da operação está mais distante. Coutinho teria dito a Naouri que não fará a intermediação entre os sócios Abilio Diniz e Casino. A reunião no BNDES ocorreu após o Casino abrir um segundo pedido de arbitragem na Câmara de Comércio Internacional (CCI) na sexta-feira contra o Pão de Açúcar.

Em carta enviada ao Pão de Açúcar, o Casino informou que a segunda arbitragem foi motivada pela "proposta estruturada por Abilio Diniz, BTG Pactual e Carrefour", com o objetivo de assegurar o cumprimento do acordo de acionistas. O primeiro processo do Casino contra Diniz na CCI foi movido em 31 de maio. O Pão de Açúcar, por sua vez, afirmou que, até o momento, não foi citado em nenhum dos processos pela CCI, o que indicaria que os pedidos do Casino ainda não teriam sido analisados.

O acordo entre a família Diniz e Casino rege a holding Wilkes Participações, que detém as ações ordinárias de ambos. O texto prevê que a análise de operações de fusão e aquisição pressupõe a convocação de uma reunião do Conselho de Administração. A reunião - marcada ontem para o próximo dia 2 de agosto, em São Paulo - foi pedida pelo grupo francês, com o argumento de que Diniz teria desrespeitado o acordo de acionistas ao negociar, sem seu conhecimento, a associação com o Carrefour.

Este poderá ser o primeiro encontro entre o brasileiro e o principal executivo do Casino, Jean-Charles Naouri, desde que a negociação com o Carrefour veio a público, através de reportagem de um jornal francês. Diniz foi na semana passada a Paris, mas não foi recebido por Naouri.

Em nota divulgada ontem à noite, a assessoria de Diniz diz que ele "coloca-se inteiramente à disposição para conversar sobre a proposta de associação entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour" e que até o dia 2 de agosto haverá "tempo suficiente para os conselheiros analisarem a proposta, os estudos e documentos que estão sendo enviados para os mesmos".

O Conselho da Wilkes é formado por dois membros indicados pelo Casino e dois, pelos acionistas brasileiros. A presidência cabe à Diniz.

Oposição convoca Coutinho e Diniz

O PSDB protocolou ontem, junto à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), convite para que as autoridades envolvidas na fusão compareçam ao Senado para dar explicações sobre o negócio. O pedido é para o comparecimento de Coutinho, Diniz, do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Fernando Furlan, e do economista e ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Na justificativa, o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), citou o fato de que a empresa resultante da fusão ficará com 32% das vendas no setor e de que a BNDESPar já teria se comprometido a entrar com R$3,9 bilhões, ou 85% do valor para a operação, tornando-se sócio da nova companhia, com 18%. Ele explicou que o objetivo é "esclarecer questões relevantes que permeiam o negócio como, por exemplo, as consequências da fusão para o consumidor brasileiro e a presença do BNDES".

Na Câmara, PSDB e DEM anunciaram que apresentarão requerimentos com o mesmo objetivo. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) também tem proposição na CAE. Mas nenhum pedido deve ser votado na sessão de hoje, segundo estimativa do presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Ontem, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que ainda conversaria com o Palácio do Planalto para saber a estratégia sobre as convocações, mas que não via problemas em as autoridades darem explicações:

- É uma operação de mercado e só vai ser feita se houver concordância de todos. Não há nada a esconder.

Incertos sobre o desfecho da operação, investidores venderam ontem ações do Pão de Açúcar para embolsar os ganhos com a alta do papel na semana passada, de 12,17%. As ações preferenciais (PN, sem voto) chegaram a recuar 3,49% e lideraram as perdas do Ibovespa, índice de referência da Bolsa de Valores de São Paulo boa parte do dia. No fechamento, a queda foi de 1,23%, a R$72,09.

- Não houve informações novas no fim de semana, e a operação continua bastante incerta - disse um gestor, que pediu para não ser identificado.

Enquanto isso, o Carrefour informou ontem que seu Conselho de Administração aprovou a fusão com o Pão de Açúcar no Brasil. O Casino criticou a decisão e afirmou em nota que "o Carrefour e os membros do seu Conselho podem ser responsabilizados por aceitar, apesar de repetidos alertas, uma transação hostil, resultado de negociações ilegais".

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Bruno Villas Bôas, com agências internacionais