Título: Doença de Chávez contamina regime
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Fonte: O Globo, 06/07/2011, Opinião, p. 6

Líderes autoritários populistas como Hugo Chávez, um caudilho com palavras e atos nacionalistas e triunfalistas, precisam continuamente de slogans, de palavras de ordem e de planos grandiloquentes para manter o povo em mobilização permanente em torno de sua pessoa. Em sua surpreendente volta à Venezuela, após ser operado de câncer em Havana, a retórica de Chávez ganhou até caráter messiânico.

Em discurso dramático, disse estar envolvido na "luta pela vida", prometeu aos venezuelanos que "venceremos esta nova batalha e a venceremos juntos", e revelou que sua "recuperação milagrosa" ocorreu no dia 24 de junho, aniversário da Batalha de Carabobo, que marca o processo de independência. Ele voltou na véspera da comemoração, anteontem, do bicentenário da independência, mas não pôde estar presente ao grande desfile cívico-militar no Paseo de Los Próceres, na capital.

Nos 12 anos em que está no poder na Venezuela, Chávez tratou de elevar-se ao papel de pai da pátria, esvaziando todas as instituições democráticas, escorraçando a iniciativa privada e estatizando a economia, neutralizando opositores, perseguindo a mídia independente e criando uma máquina de propaganda típica dos regimes personalistas. Só parece ter-se esquecido de que não é imortal.

Depois de um prolongado mistério sobre a longa internação em Havana, para extrair um "abcesso pélvico", o próprio presidente informou ter sido submetido a uma operação de seis horas para extirpar um tumor cancerígeno. Como é típico dos regimes fechados, até agora não se sabe qual foi o tipo de câncer, em que órgão e as perspectivas de recuperação. Mesmo assim, a máquina chavista tratou de transformar o retorno do abatido líder num grande teatro político, quase numa ressurreição de alguém que, com a volta, pode ofuscar os enormes problemas que afetam o dia a dia dos venezuelanos, como a insegurança, a inflação mais alta do continente (27% em 2010), os cortes diários de eletricidade, a desorganização da economia, a estagnação (PIB teve contração de 3,3% em 2009 e de 1,6% em 2010). Em artigo no GLOBO, o editor do "Miami Herald", Andrés Oppenheimer, escreveu que Chávez protagonizou um "milagre econômico ao contrário", pois todos os indicadores apontam para baixo mesmo tendo o país atravessado, desde 1999, a maior e mais prolongada bonança nos preços do petróleo, que subiram de US$9 o barril para US$ 100, rendendo aos cofres venezuelanos, no período, US$700 bilhões.

O chavismo tornou o país dependente de Chávez e, agora, ele está gravemente doente. Ao contrário de outras experiências de governo centralizado, que contam com uma estrutura mínima de poder, o socialismo bolivariano não formou quadros. O futuro da Venezuela se torna, assim, tão incerto quanto o câncer do caudilho. É previsível uma luta surda por sua herança política nos bastidores do movimento que apoia o presidente.

O momento é de a oposição se apresentar unida e com um projeto democrático convincente para o país, capaz de obter, nas eleições presidenciais de 2012, a adesão dos venezuelanos cansados do chavismo.