Título: Paguei US$1 bi a Diniz pelo controle
Autor: Seleme, Ascânio; Alves, Cristina
Fonte: O Globo, 06/07/2011, Economia, p. 21

Presidente do Casino diz que não abre mão de assumir o Pão de Açúcar em 2012 e garante que não vai vendê-lo

Citando a "Carta ao Povo Brasileiro" - divulgada por Lula nas eleições de 2002 para tranquilizar o mercado - o francês que dirige o Casino, sócio do Pão de Açúcar, afirma que confia no Brasil que respeita contratos. Jean-Charles Naouri, contrário à fusão da rede brasileira com o arquirrival Carrefour, veio ao Rio para convencer o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a não colocar dinheiro do banco no negócio. Ele, que considerava Abilio Diniz um amigo, disse que ficou "muitíssimo surpreso, desiludido, decepcionado" quando soube da fusão. Para ele, assumir o controle do Pão de Açúcar em 2012, conforme acordo de 2005, é uma obsessão.

Henrique Gomes Batista

Como foi sua conversa com Luciano Coutinho, do BNDES?

JEAN-CHARLES NAOURI: Eu disse ao senhor Coutinho que o Casino havia investido US$2 bilhões no Grupo Pão de Açúcar (GPA) em 1999 e em 2005. Que investimos pois víamos que o Brasil era um país de direito, que respeitava contratos. Em 2005, quando fizemos um novo aporte, ficamos impressionados pela Carta ao Povo Brasileiro do presidente Lula, que falava do respeito aos contratos e fazia disso a pedra fundamental do Brasil de amanhã. Falei também que o projeto proposto pelo senhor Abilio Diniz (fusão Pão de Açúcar/Carrefour) era baseado na violação de um contrato e causaria uma expropriação do Casino. Coutinho reiterou os termos de seu comunicado (que o banco não participará do negócio sem acordo entre todas as partes). Estou satisfeito.

Diniz procurou o Casino há dois anos para um acordo?

NAOURI: Há dois anos ele pediu para renegociar o acordo e eu respondi que estava aberto a negociar. Ele pensava em mudanças que não ferissem sua imagem no mercado, em vista de sua posição proeminente no Brasil. Há um ano ele disse que não era isso, que ele não queria que o Casino tomasse o controle do grupo em 2012. Eu disse que era difícil, depois de ter investido US$2 bilhões, esperado 13 anos, pago duas vezes o prêmio de controle (valor acima das cotações das ações), dos quais US$1 bilhão pessoalmente a ele e sua família. Após uma série de reuniões, a pergunta (de Abilio) era: "sim ou não?". Eu dizia que a questão era mais complicada. Mas eles insistiam, me ligaram até no Natal. Fomos forçados a dizer não. As conversas foram até a reunião do dia 15 de abril onde Diniz disse que não tinha nada a me dizer, que sua única opção era brigar. Foi a última vez que o vi.

O senhor se sente traído por Abilio Diniz?

NAOURI: Por 11 anos ele foi um bom parceiro, um empreendedor excepcional e um ótimo gestor. Posso dizer bom amigo também. Então fique muitíssimo surpreso, desiludido, decepcionado quando eu soube da construção complexa de um ato que visa a abandonar o acordo que tinha firmado.

O Casino está no limite de endividamento?

NAOURI: Essa observação é ridícula. Há 15 dias investimos US$1,2 bilhão na compra de ações do Pão de Açúcar, poderíamos ter colocado a serviço do GPA. Gastamos US$1 bilhão em janeiro para comprar os ativos do Carrefour na Tailândia.

O Casino vai vender o Pão de Açúcar? Por isso a briga pelo controle?

NAOURI: Diniz nos propôs comprar a nossa parte. Isso era insultuoso, não somos financistas, investimos 12 anos, esperamos, tivemos paciência. Investimos em um Brasil diferente, em uma empresa que não tinha o peso que tem hoje. O boato é falso e difundido para nos tornar ilegítimos.

A fusão não seria boa para o Casino?

NAOURI: Ela é baseada em dois erros estratégicos. O primeiro: vai reforçar o peso dos hipermercados em detrimento das pequenas lojas, que é o formato do futuro. O segundo: o GPA investiria no Carrefour, muito focado na Europa Ocidental, onde há países sem crescimento.

Então, ao Casino não interessa essa operação nem em outras bases?

NAOURI: Não é uma discussão de mercador de tapetes, há uma visão estratégica falsa.

Vai começar uma guerra judicial?

NAOURI: Não procuramos uma guerra judicial, não se pode inverter o papel entre agressor e agredido. Nós somos a vítima.

Qual o problema legal da fusão?

NAOURI: Ela fere o acordo de acionistas, que proíbe atos que afetem o controle do grupo. E fere o Código Civil, que diz que deve-se agir de boa-fé.

O senhor se arrependeu da associação com Abilio Diniz?

NAOURI: É uma associação com Diniz, mas é também com uma grande empresa, com gerenciamento excepcional, e é um compromisso com um país no qual nos acreditamos há muitos anos. Apreciamos muito a gestão do GPA, o Brasil pode estar orgulhoso do gerenciamento do grupo. A partir de 2012 a gestão continuará, e o Casino se comprometeu que a gestão sempre continue brasileira.

Com essa briga, não é um problema manter a gestão? O Casino não era muito ausente?

NAOURI: Sempre respeitamos a gestão brasileira de Abilio Diniz, sempre respeitamos o contrato. Fizemos muitas coisas no GPA, como o conceito de Extra Fácil. Diniz era sensível à sua imagem, e isso fez com que o Casino fosse discreto. Mas eu posso enumerar o que aportamos ao GPA. A discrição não significa que fomos passivos.

É possível imaginar um acordo com Diniz, o senhor vai procurá-lo?

NAOURI: O acordo existe, foi assinado em 2005. Nossa linha de conduta é simples: respeito do contrato, temos uma visão estratégica, que é um bom formato em um bom país. Não é uma corrida, uma escolha dos maus países e dos maus formatos simplesmente para que o Casino perca o controle.