Título: Sou otimista. Acredito em Deus
Autor: Seleme, Ascânio; Alves, Cristina
Fonte: O Globo, 06/07/2011, Economia, p. 21

Empresário levanta suspeitas sobre interesse de Casino em assumir controle em 2012

Indagado se não teme um fracasso das negociações para a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, o empresário Abilio Diniz diz que ainda está otimista e tem esperança que a proposta seja aprovada. Mas ressalva: "Não acredito em milagre, mas acredito em Deus", diz ele, num entrevista por telefone na noite de ontem. Na conversa, ele lança suspeitas sobre o interesse do sócio francês Casino de assumir o controle do Grupo Pão de Açúcar, em 2012, como permite o acordo de acionistas assinado em 2005 com os Diniz. Abilio lembra que há rumores de que eles queiram apenas vender posteriormente para outro grupo rival.

O senhor falou novamente com Luciano Coutinho nas últimas horas? O BNDES diz que só aceita entrar no negócio com o consenso entre as partes...

ABILIO DINIZ: Não, não voltei a falar. O BNDES já tinha colocado na proposta original que foi mandada para o Jean-Charles Naouri (presidente do Casino), para o Carrefour, para todo mundo. Eles (BNDES) querem uma solução pacífica.

O senhor teme que o negócio fracasse sem o BNDES?

ABILIO: Sou otimista. Não acredito em milagre, mas acredito em Deus, que Deus ilumine a cabeça do Jean-Charles, a minha. Porque essa atitude do Jean-Charles é totalmente irracional, não tem sentido. Os ataques que ele tem feito à minha pessoa.... Não quero ficar rebatendo grosseria com grosseria, mas isso é inaceitável. Ele tem dito que estou há dois anos tentando mudar o contrato. Não vou fazer acusações, chamá-lo de mentiroso, mas isso é uma fantasia. Depois de tudo que eu penei para fazer a profissionalização da empresa (do Pão de Açúcar). E eu penei muito. O grupo está estruturado. Tem toda a condição de crescer fora do Brasil. O Brasil está caro. Está mais fácil crescer lá fora do que crescer aqui dentro, mas queremos crescer aqui também.

Em entrevista ao GLOBO hoje (ontem), Jean-Charles Naouri diz que pagou ao senhor duas vezes o prêmio de controle....

ABILIO: Isso é fantasia. Se ele pagou, não recebi. Olha, o pano de fundo dessa discussão é a estrutura de capital. Para uma empresa crescer, é preciso emitir ações ou se endividar. No caso do Pão de Açúcar, não podia nenhum dos dois. Nós não tínhamos limite para emitir ações preferenciais há tempos. Para fazer a operação com o Ponto Frio, fizemos uma enorme engenharia financeira. No caso da Casas Bahia, foi a mesma coisa, tivemos que envolver a Globex. Enfim, fizemos uma nova companhia. No caso do endividamento, também não podíamos. O Pão de Açúcar tem um limite baixo de endividamento, mas o Casino, não. Levando em conta todos os que têm participação no Casino, esse limite chega a quatro vezes o Ebitda (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização). Todo o fechamento de trimestre e de semestre, eles nos pressionavam por causa disso.

Então o senhor nega a acusação de que tenha recebido esse prêmio de controle duas vezes e agora estaria disposto a voltar a atrás?

ABILIO: Duas vezes é conversa. Cadê a segunda vez? Ele pode querer pegar o controle do Pão de Açúcar para consolidar a empresa lá em cima. Juntar no resultado da matriz tudo que for obtido com vendas, Ebitda, botar todo o consolidado do Grupo Pão de Açúcar. Agora, o mercado já precificou isso. Está embutido no valor das ações deles. Agora, por que eles querem tanto o controle? Ou será que eles querem vender? Não sei, são rumores, há quem diga que o Walmart estaria por trás deles. Faz sentido. A situação de endividamento deles (do Casino) hoje só se resolve se eles venderem alguma coisa muito grande.

E se o Casino assumir o controle em 2012, como eles querem fazer? Qual seria a sua estratégia?

ABILIO: Eles têm 50% das ações mais uma. Mas o que acontece comigo? Nada ou quase nada. Eu teria que tirar um membro do Conselho, mas continuaria indicando o management (comando) e o CEO (cargo equivalente a diretor-presidente ou presidente-executivo, que hoje é exercido no Pão de Açúcar por Enéas Pestana). Dizem que eu desnacionalizei a empresa (o Grupo Pão de Açúcar). Mas não desnacionalizei. O que importa é o management (comando da operação) seja brasileiro. Eu sou o presidente do Conselho de Administração e, pelo acordo em vigor, eles só pode me tirar se eu não estiver saudável ou se não apresentar performance. E não tem nem uma coisa, nem outra.

E se o acordo de fato não sair?

ABILIO: Bom, aí é sentar na calçada e chorar. Acho que isso vai prejudicar o valor da companhia.

O senhor tentou falar com o Jean-Charles Naouri nos últimos dias?

ABILIO: Fiquei 28 horas na França tentando falar com ele para explicar a operação (na última semana de junho). Quando soube que ele viria para o Brasil, tentei falar de novo. Mas ele (Jean-Charles) só aceita conversar se eu deixar tudo do jeito que está. Se ele não fosse tão raivoso.. Ele tem que entender que vai ser um sócio sem o controle de uma empresa muito maior, a segunda maior do mundo. A nova empresa vai ter sinergias incríveis, um ganha-ganha. Vai ser bom para todo mundo: para o acionista, para o consumidor, para quem trabalha, para o Brasil. Vai ser bom para a França. Não importa se for uma empresa franco-brasileira ou brasileira-francesa.

Por que o senhor não buscou os R$4 bi necessários com bancos privados?

ABILIO: A minha ideia era ter o branding (marca) do BNDES.