Título: Corpo identificado como de menina era de Juan
Autor:
Fonte: O Globo, 07/07/2011, Rio, p. 21

Erro de perita faz com que família leve mais uma semana para descobrir paradeiro de menino de 11 anos

O CORPOachado na beira do rio Botas, em Belford Roxo, na semana passada:polícia divulgou que se tratava dos restos mortais de uma menina e continuou as buscas por Juan

O MENINO JUAN morto em confronto cinco dias após completar 11 anos

O corpo do menino Juan de Moraes, desaparecido desde o último dia 20, foi encontrado há uma semana, mas somente ontem a família recebeu a notícia. O atraso foi por conta de mais um erro na investigação sobre o sumiço do garoto após um confronto entre policiais militares do 20 º BPM (Mesquita) e traficantes da Favela do Danon, em Nova Iguaçu, onde ele morava. A perita que analisou os restos mortais encontrados na quinta-feira passada no Rio Botas, em Belford Roxo, informou que se tratava de uma menina, fazendo com que as buscas por Juan continuassem ¿ e a esperança da família de encontrá-lo vivo também. Ontem, no entanto, o caso sofreu uma reviravolta. A chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha, convocou uma coletiva para contar que a técnica ¿ que vai responder a sindicância ¿ errara na identificação e que o corpo era mesmo de Juan.

Desta vez, segundo o diretor do Departamento de Polícia Técnica e Científica, Sergio Henriques, não há ¿sombra de dúvida¿ de que se trata mesmo do menino. Foram feitos dois testes de DNA que comprovaram a identidade. O material para o exame foi coletado no chinelo lilás que Juan usava no dia de sua morte e que, em mais um erro da apuração policial, foi encontrado mais de uma semana após o confronto, já que a perícia no beco onde o menino teria sido atingido foi realizada apenas oito dias depois do sumiço.

Segundo Sérgio Henriques, o laudo mostrando que o corpo era de uma menina foi feito por uma perita do Posto Regional de Polícia Técnico Cientifica (PRPTC - Nova Iguaçu), cujo nome não foi divulgado pela Polícia Civil:

¿ Houve uma precipitação da perita e ela vai responder a sindicância. Em crianças e adolescentes é prematuro, com a análise dos ossos, afirmar o sexo. No momento em que ela assina o laudo, é a responsável pela informação. Pelos resultados dos dois testes de DNA, podemos afirmar que não há a menor sombra de dúvida de que o corpo é do menino Juan ¿ disse Henriques.

Para especialistas, é possível reconhecer sexo de cadáver

Para especialistas, o erro da perita foi primário. Na avaliação de Aldir Rego, com experiência de mais de 30 anos atuando no poder público, se a técnica teve dúvidas em função do avançado estado de decomposição do corpo, deveria ter pedido para que ele fosse encaminhado à sede do Instituto Médico-Legal (IML), onde há equipes especializadas em antropologia forense:

¿ É possível reconhecer o sexo fazendo uma análise óssea no cadáver de uma criança. A pélvis feminina é totalmente diferente da masculina. Não conheço a perita, mas ela cometeu um erro enorme.

A mesma opinião tem o médico forense Talvane de Moraes. Segundo ele, é justamente pela estrutura óssea que se pode diferenciar um menino de uma menina, principalmente quando o estado de decomposição do cadáver já é avançado, como aconteceu no caso de Juan.

¿ Não sei quem fez a perícia ou de que maneira ela foi feita, mas quem deu esta informação não tem conhecimento técnico. As medidas da bacia de homens e mulheres já são diferentes aos 11 anos. Alguém vai ter que se responsabilizar por esta contradição ¿ disse.

Pai de vítima diz que já desconfiava da morte

O pai de Juan, Alexandre da Silva, disse ontem que, como o de mãe, coração de pai não se engana:

¿ Quando bati de frente com a história da menina, já achei que era meu filho. Pai sabe dessas coisas né? ¿ disse.

Ontem, Alexandre foi ao Instituto Médico Legal para aguardar a liberação do corpo e contou que soube da morte de seu filho ao receber telefonemas de jornalistas, enquanto almoçava.

¿ Estou chocado. Não consigo nem ficar em pé direito, disse Alexandre à noite ,ao site G1. ¿ Antes de enterrar, queria fazer a perícia no Juan ¿ completou.

Segundo o pai, o corpo de Juan, que ainda não foi liberado do Instituto Médico Legal, será sepultado na manhã de sexta-feira em um cemitério da Baixada Fluminense. A mãe e o irmão de Juan, Wesley, de 14 anos, que estão no programa de proteção à testemunha, vêm ao Rio para acompanhar o sepultamento da criança, segundo ele.

Ao confirmar a morte de Juan, a chefe de Polícia Civil disse lamentar comunicar a imprensa antes da família:

¿ Eu queria ter dado essa notícia pessoalmente à família. Mas como a família ingressou em um programa de proteção, a Secretaria de Direitos Humanos ficou responsável pela comunicação.

Martha Rocha anunciou ainda que o delegado titular da 56ª DP (Comendador Soares), Cláudio Nascimento, foi afastado a pedido da Corregedoria. Um novo titular será nomeado nos próximos dias para o posto. A delegacia foi a primeira responsável pela investigação do caso, antes de a responsabilidade passar para a Delegacia de Homicídios (DH) da Baixada Fluminense.

Na operação policial, o irmão de Juan, Weslley, também foi baleado, assim como o repositor de mercadorias Wanderson dos Santos de Assis, de 19 anos. No primeiro registro do caso feito na Polícia Civil, mais um erro: PMs acusaram Wanderson de ser traficante e estar com uma pistola 9mm, uma granada e o radiotransmissor. Wanderson ficou internado no Hospital de Saracuruna, em Duque de Caxias, preso à cama com uma algema por cinco dias, até a Defensoria Pública do Estado conseguir sua soltura. Mais tarde descobriu-se que as armas pertenciam a um traficante morto na operação policial.

ONG faz protesto cobrando explicações sobre morte

Na segunda-feira, o Ministério Público Estadual e a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos asseguraram a inclusão imediata de Wanderson, em caráter emergencial, no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita). A família de Wanderson já havia ingressado no mesmo programa. Já os parentes de Juan estão no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAM).

Ontem, a ONG Rio de Paz fez protestos pela cidade para cobrar explicações a respeito da morte do menino Juan. Os integrantes da organização estiveram na Praia de Copacabana e na Cinelândia, durante a noite, carregando uma faixa com os dizeres ¿Quem matou Juan?¿. Eles também pretendiam levar a faixa para o Engenhão, onde o Flamengo enfrentaria o São Paulo.