Título: Viva, mas morta pela segunda vez
Autor: Tecles, Elisa
Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2009, Cidades, p. 23

Em 2002, para retirar o seguro-desemprego na Caixa Econômica Federal, Benta Pereira Lima teve de provar que não havia morrido. O episódio rendeu até um pedido de desculpas do então ministro da Previdência Social. Porém, sete anos depois, o drama se repete

Benta descobriu que continua ¿morta¿ quando foi à Superintendência Regional do Trabalho, na última terça

Na edição de 12 de março de 2002, o Correio revelou o primeiro capítulo do drama vivido por Benta

A desempregada Benta Pereira Lima, 42 anos, nunca esteve tão cheia de vida. Ela cuida sozinha da casa onde mora, na Estrutural, fica de olho no único filho e garante estar disposta a chegar aos 100 anos de idade. Espanta uma pessoa ativa ter sido dada como morta há tanto tempo: a data do óbito de Benta é 17 de junho de 1994. Registros do Ministério do Trabalho e Ministério da Previdência Social mostram que ela bateu as botas, apesar das provas contrárias: a mulher respira, anda e tinha emprego fixo até março deste ano.

A dor de cabeça começou quando Benta deu entrada no seguro-desemprego, em junho. O dinheiro estaria disponível um mês depois, em 13 de julho. O dia chegou e nada da primeira parcela do benefício entrar ¿ ela teria direito a quatro quotas de R$ 480. Na manhã da última terça-feira, Benta esteve na Superintendência Regional do Trabalho (SRT) para questionar a demora no depósito e recebeu a notícia: o cadastro havia sido cancelado por conta do ¿falecimento do segurado¿.

O problema de Benta se arrasta desde 2002, quando ela descobriu que constava como morta nos bancos de dados do governo. No dia 4 de março daquele ano, tentou sacar o seguro-desemprego em uma agência da Caixa Econômica Federal e soube que não teria direito ao dinheiro porque estava morta. Na época, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) informou que se tratava de um caso raro de homônimo. Uma mulher com o mesmo nome de Benta morreu em 1994 e os dados teriam sido trocados por engano.

O então ministro da Previdência, José Cechin, recebeu a desempregada no gabinete para pedir desculpas e garantir a solução do problema. ¿Eu achei que eles tinham resolvido tudo daquela vez. E agora, se eu morrer, como meu filho vai me enterrar?¿, reclamou. Depois do evento, Benta apareceu nos jornais e na televisão e teve de aguentar o apelido de Morta-viva. ¿Tem gente que até hoje me chama assim. Até a minha mãe me ligou desesperada querendo saber se eu estava viva¿, lembrou.

Em 1994, Benta tirou 10 meses de auxílio-doença. Ela acredita que a confusão tenha sido feita quando pediu para voltar ao trabalho e deixar o benefício da Previdência. Dois anos depois, surgiu a primeira pista do engano: a desempregada ficou viúva e deu entrada na pensão para o filho, mas o dinheiro nunca chegou. Ela não questionou porque estava em uma situação financeira confortável e nem deu falta do dinheiro. Treze anos se passaram do primeiro incidente e Benta continua morta para o governo. Ela acumula dívidas desde que parou de trabalhar como operadora de caixa, em março deste ano. A desempregada vive com o que economizou do fundo de garantia e quer limpar o nome para ser contratada novamente. ¿Ainda bem que não pago aluguel. Só espero que não demorem muito para resolver isso, porque já chega¿, disse.

Benta é tida como morta nos registros do Ministério da Previdência Social desde 1994. O mesmo banco de dados mostra que a desempregada manteve vínculos empregatícios posteriores à data da suposta morte. Ou seja, ela continuou a trabalhar e contribuir para a Previdência depois de passar desta para melhor. A assessoria do ministério confirmou que Benta recebeu o auxílio-doença em 1994 e teve empregos nos anos seguintes.

A desempregada entrou com um recurso na SRT para provar que está viva. Levou cópias de todos os documentos e foi orientada a aguardar de 30 a 40 dias. A superintendência não pode mudar o registro, mas encaminhará o pedido ao Ministério do Trabalho. ¿A pessoa deve nos procurar para que seja feita a correção desse erro, que é uma coisa possível. Deve ter havido algum erro de digitação, algo normal em um universo extenso como o do seguro-desemprego, ou pode ser um homônimo¿, explicou o superintendente Jackson Machado. Ele ressalta que o sistema dispõe de alta segurança para barrar quem tenta retirar benefício em nome de pessoas mortas, e que há um constante aprimoramento para evitar que outras pessoas sejam afetadas indevidamente.

Registros Os cartórios repassam os registros das mortes à Previdência Social por meio do Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi). Até o dia 10 de cada mês, os estabelecimentos precisam enviar os dados do mês anterior. Os 12 cartórios que fazem registro civil no Distrito Federal (nascimentos, casamentos e óbitos) contabilizam, ao todo, média de 900 mortes a cada 30 dias.

O sistema é alimentado com uma série de dados pessoais do falecido para evitar confusões entre homônimos (pessoas com o mesmo nome). O cartório informa a data do óbito, data do registro da morte, nome do falecido, nome da mãe, data de nascimento e naturalidade. Além disso, é obrigatória a inclusão de um dos seguintes documentos: carteira de identidade, CPF, título de eleitor, certidão de nascimento, certidão de casamento, número de benefício no INSS, PIS ou carteira de trabalho. ¿É um sistema informatizado, mandamos tudo por meio eletrônico e cada cartório tem uma senha. Esse envio é fiscalizado. Se um cartório errar e não mandar, o INSS cobra¿, explicou o diretor da Associação dos Notários e Registradores do DF (Anoreg/DF), Allan Guerra.